ALMA DE RANCHO

Feliciano Ladislau Pinheiro Garcia

 

A sanga chora em silêncio,

o vento fala mais alto

e a vida brota na flor,

parede toda barreada,

uma porta escancarada

remanescendo a esperança

de quem te fez com amor.

 

Na sanga, cruzaram carretas

transportando alguns porretes,

linha, caibros, pontaletes

e o peso da obrigação.

Eu olho assim, com carinho,

sempre que vejo um ranchinho,

cravado neste Rio Grande

pra orgulho desta Nação.

 

Às vezes, um pára-peito,

outras vezes só o cusco...

 

Mas na imponência discreta,

esta palha enfumaçada,

é uma crina trançada

destes potros pêlo-duro;

domados pra o futuro,

como a fumaça sovina

ardente aos olhos da china

de lampejarem no escuro.

 

No centro da tua alma,

respingaram gotas ferventes

das cambonas permanentes

sobre uma trempe de ferro.

Cai o sereno, me encerro,

fechando porta e janela,

meia volta na tramela,

segredo assim eu não erro.

 

E quem nascer por acaso

num rancho de pau-a-pique,

irá extrair um retovo,

do coração deste povo

que mora nos palacetes;

crescerá sendo um ginete

nas madrugadas do Sul,

aplaudindo um céu azul

que paira nos caponetes.

 

Assim, a lua vageia

e na quincha se despeja,

quando silêncio da noite

com mil carícias te beija,

ao trocar a lamparina,

por olhos de relancina

de estrelas sobre a carqueja.

 

Mas se o silêncio não fala,

de onde vem esta voz,

gritando forte por nós

na liberdade da estância?

Talvez seja a ressonância

no grito de algum carancho

mirando a quincha de um rancho

e admirando a importância.

 

Quantas palavras macias

na frias noites de agosto,

retemperando a ilusão

de mão, em busca de um rosto

pra acariciar com ternura

a face da criatura

–chinoca, que tem bom gosto.

 

E lá se vai a distância,

parece que eu me separo,

perdendo o rumo e o faro

das flores na primavera;

já fui um rancho tapera,

agora, habitando em mim,

uma saudade sem fim,

descendente de outra era!

 

Com certeza, em cada esteio,

em cada leiva batida

existe um foco de vida

que o tempo não quis levar.

E nos portais, lentamente,

poemas quero escrever

para somente aprender

o que eu não sei ensinar.

 

E é deste jeito que eu vivo,

meu sentimento é de luxo,

tenho fibra de gaúcho,

sei domar a solidão;

não peleio sem razão,

jamais deixo o meu Estado

porque o meu rancho barreado,

tem alma e coração.