Passagem

 Xavier Valter Fritsch

E se diziam gaúchos
Os que chegavam a cavalo.
Tinham lampejos de lua
Por entre as melenas longas
E uns acordes de milongas,
Como fundo musical
Das prosas de muitas rondas.

As alpargatas barbudas.
Botas de pé por trocar,
Pilchas simples, dos campeiros,
Cherengas de palmo e meio,
E alguns usavam guaiacas
Escassas eram as patacas,
O municio e os avios.

Puxando a trova a martelo,
Gaitaços nas noites claras.
Bordoneios de guitarras
No ritual dos pajadores.
Cantilenas chimarronas
E uns resmungos de cordeonas
Amadrinhando os cantores.

Falavam, em revoluções
Idéias
de independências
Sotaques de mil querências.
No calor das discussões.
E entre causos de guerra,
Carreiradas campo afora
Discutiam fios de adaga
E o tamanho das esporas.

Cheiravam a suor de cavalo,
Fumo e charque de capincho.
Na madrugada, relinchos
Entre o murmúrio do vento.
A quincha do firmamento
No relento das pousadas.

Sonhos, nem sei se tinham.
De certo alguns desejos.
Porque esses índios andejos
Não se iludem assim no más.
As tantas necessidades
Passadas nos corredores
Deixaram esses campeadores
Velhacos e redomões
Ressabiados dos tirões
Dos manotaços da vida.

Fio de bigode pra eles
Muito mais que documento.
Pra garantir o sustento,
Empreitadas, negociatas.
Vivendo "a laço e espora"
Na eterna sina caipora
De repisar os caminhos.

Heranças da raça crioula:
A estampa, a lida e a vivência
Bandeira, a sobrevivência,

Na teimosia dos rudes
De nunca trocar de ofício
E nem trair seus ideais,
Por mais que essa terra mude.

Encilhando ao seu feitio
Alçam a perna montando.
Monarcas escaramuçando
Pra partir sem dar adeus.
Os rumos, esses são seus.
A liberdade, um regalo.
Talvez o maior dos luxos.
E se diziam gaúchos
Os que partiam a cavalo.