PAR DE BOTAS

Vaine Darde

Procurando minha história
Andei rastreando memórias
Por onde a história passou
E, dentro de um baú,
Encontrei, em couro cru,
As botas do meu avô.

Era só um par de botas
Que campereou pelas grotas
Além do sul dos confins.
Tanto esporeou redomão
Que adormeceu num galpão
Qual se esperasse por mim...

Um par de botas, somente,
Que se fez sobrevivente
Das domas e das tropeadas.
E, apesar dos contratempos,
Cruzou por léguas de tempo,
Como se abrisse uma estrada.

Assim, de estribo em estribo,
Gauderiou de tribo em tribo
Por
ocasos de auroras,
Mas quando perdeu o dono,
Mais triste que o abandono,
Ficou órfãos das esporas.

Quem sabe se meu avô,
Pelas sangas que passou
Com estas botas chiruas,
Tenha deixado no campo,
No meio dos pirilampos,
Um claro rastro de lua.

Sabe lá em que bailanta,
Nos braços de uma percanta
Ao bailar um vanerão,
Co'as velhas botas surradas,
Sob uma quincha furada,
Pisou estrelas no chão.

No mesmo chão que pisava
Pelas carpetas de tava,
Num verdadeiro escarcéu,
Caramba, quanto alvoroço
Quando num jogo do osso
Clavava sorte a lo léu!

Este velho par de botas,
Nessas rondas pelas grotas,
Deixou os astros com ciúmes...
Estribado, campo afora,
Com a lua nas esporas
Namorando os vaga-lumes.

Quem perseguir as pegadas
Nas mais remotas jornadas
Do seu trajeto glorioso,
Por certo encontrou no pasto,
Do par de botas, o rastro,
No rastro do Boi Barroso.

Nadou quebrando geada
Nas mais frias madrugadas
Costeando rio e perau.
E, pela moura encantada,
Um dia, deixou pegadas,
Lá no Cerro do Jarau.

Às vezes, nalgum domingo,
Deixou o trote do pingo
Pra gauderiar de chalana,
E atravessou a fronteira
Pra chibear uma trigueira
De linhagem castelhana.

Em muitas noites de lua,
Na antiga pampa chirua,
Na volta de algum rodeio;
O par de botas, no chão,
Foi pernoitar no galpão
Bem ao lado dos arreios.

Nos retoços de bailanta
Andou roçando as percantas
Numa rancheira gasguita
Para depois ganhar pouso
Junto ao jardim cheiroso
De algum vestido de chita.

Vejam só que o destino,
Apesar dos desatinos,
Sempre tem uma resposta...
Eu só fui buscar lembranças
E recebo, por herança,
Este velho par de botas.

Foi sorte ou coincidência,
Um regalo da querência
Ou um capricho qualquer.
O par de botas campeiro
Do qual me fiz herdeiro,
Deu certinho no meu pé!