MONÓLOGO DO PEÃO SOLITO

Vaine Darde

O dia se foi mais cedo
E a noite chegou na tarde.
Sem pôr-do-sol, na campanha,
Apenas escureceu...
E um temporal redomão
Se veio fazendo alarde,
Batendo bombo nas nuvens
Num desnorteado escarcéu.

 

Eu, já de mate cevado,
Fechei um baio dos buenos
E, sozinho no galpão,
Sem temer qualquer perigo,
Fiquei cismando comigo
Nesse momento infinito
Que torna homem pequeno.

 

La puxa! E veio do Norte
Um aguaceiro turuna
Riscando adagas de fogo,
Desebainhando punhais,
Com raios rasgando rumos,
Timbrando sangas noturnas ,
Sangrando a quincha tapera
Com goteiras musicais.

 

E eu, comigo, em silêncio,
Olhos voltados pra dentro,
Proseando palavras mudas
Pra enganar a solidão.
É assim que me agüento...
Pois pior que todo vento
É uma chuva de saudade
Que me invade o coração.

 

Bato um tição macanudo,
Dou uma encilhada no mate
E rolo a palha entre os dedos
Pra municiar outro pito.
A solidão redomona
Vem povoar o meu aparte
Iluminando a lembrança
Com um par de olhos bonitos.

 

Que china linda e malvada
Que há muito se fez ausente
Pra buscar num mundo alheio
O que o campo não lhe deu.
Dessas que vão e que ficam...
E fingem estar chegando
Quando estão dizendo adeus.

 

Nunca mais dormi no catre,
Vim me arranchar no galpão.
Pois mesmo o homem mais qüera
Se ajoelha e cai vencido
Com a solidão de tapera
Morando no coração.

 

( E um vento triste, lá fora, vai dedilhando milonga nas folhas das casuarinas)


Que potro maula, algum dia,
Me causou tanto desgosto?
Não recordo alguma tropa
Que me fosse tão sofrida...
Eis que uma prenda franzina,
Trazendo aurora nas crinas
E os olhos cheios de céu,
Me abandona no sol posto,
Depois de me dar o gosto
Dos lábio doces de mel.

 

Quando o amor vai embora
Nada mais nos dá alento;
A gente vive por fora
Mas fica morto por dentro.

 

E o pampa não espera
Por esses males de amor,
Não nos dispensa da lida:
Há cercas a remendar,
Há potros pra quebrar queixo,
Há que semear primaveras.
Pois a vida segue em frente
E
não há lugar no campo
Para quem se desespera...

 

E, bueno...Vou preparar as esporas
Que amanhecer não demora
E um malacara me espera...
E se tratando de doma
A fraqueza não me toma,
Monto o potro que vier.
Só uma coisa não se explica:
Como é que um homem se achica
Pelo amor de uma mulher? (E um vento triste, lá fora,
vai dedilhando milonga nas folhas
das casuarinas.)

 

A pior das solidões
É essa que o amor impõe,
A mais sofrida e tamanha.
Pois nada inspira mais dó
Do que um peão vivendo só
Nos canfundós da campanha.

 

Eu me canso de mim mesmo,
De ficar proseando a esmo,
Mas tenho vivido assim...
Com essa china atrevida
Que se soltou pela vida
Porém, me prendeu em mim.

 

Meus olhos de andar no campo
Se acendem de pirilampos
Se uma esperança me chega...
E sonho em rever a lua,
Passeando na pele nua,
No corpo dessa galega.

 

Em um tímido arrebol
Surge uma nesga de sol
Por entre as nuvens vencidas.
E percebo que a tristeza
Não é maior que a beleza
De qualquer resto de vida...

 

Agora o canto do galo
Diz pra encilhar o cavalo
Porque o dia já vem.
E hora de ir pra lida
E seguir tocando a vida
Com a sorte que a gente tem.

 

Quando nada nos socorre
A gente pensa que morre
Mas vive cheio de dor.
E, embora a dor seja infinda,
Mesmo a chinoca mais linda
Não mata um taura de amor!