CHIRÚ JARDIM
Ubirajara Raffo Constant
Conheci Chirú
Jardim,
Cabo clarim farroupilha,
Numa trégua de guerrilha
Mateando no acampamento;
Chirú curtido ao relento
De mil peleias
na pampa,
Gaúcho de guapa estampa,
Orgulho do regimento.
Era um índio veterano
De alma xucra e sem
assombros;
Melena caída aos ombros
Numa imponência machaça;
Boa altura, boa caixa,
Barba rebelde e cerrada
E a adaga sempre entronada
Entre a guiaca
e a faixa.
Botas garrão
de potro
E a nazarena oriental;
Um chiripá
bem bagual
Sobre a ceroula franjada;
O clarim a meia espalda
Qual uma prenda bravia
Do qual ele conhecia
Toda a ciência e toda a
balda.
Pois era o guasca soldado,
Não erro em dizer assim,
O monarca do clarim,
A outro igual não vi tocar...
Dava gosto de escutar
Sua xucra clarinada
No silêncio, na alvorada,
Ou repinicando
avançar.
E como peleava
lindo!...
Com jeito e desembaraço
Sempre aparava o aço
Aonde o aço lhe vinha;
E que destreza que tinha
Para se corpear
no entrevero...
Lhes digo, sem exagero,
Gaúcho de alta rinha!...
Se escolara
na caserna
Barbaresca das coxilhas
Entre tréguas e guerrilhas
Na pampa continentina;
Cruzara a pampa Argentina
Com todo o garbo e pujança
E também empunhara a lança
Nos rolos da Cisplatina.
Por isso no acampamento
Aquele velho soldado
Por todos era estimado
E tratado com respeito;
Pois trazia sobre o peito
As marcas de tantas batalhas
Como rústicas medalhas
Testemunhando seus feitos.
E aquele guasca soldado
Que por toda sua existência
Soube amar sua querência
Com o mais xucro querer...
E que sempre soube ser
Um exemplo de gaúcho...
Num derradeiro repuxo
Também foi guapo ao morrer.
Foi numa carga de lança
De um ataque farroupilha,
Em defesa da coxilha
Que um dia o viu nascer,
Sentiu o peito tremer
Marcado por negra sorte
E já ferido de morte
Tombou para não mais se
erguer.
E ali sobre o chão pampeano,
Com altivez
ajoelhado,
Banhado em sangue,
empoeirado,
Tendo a lança a lhe escorar,
Sentindo a vista turvar,
O bravo Chirú
Jardim,
Morreu tocando o clarim...
Moreu tocando avançar!...