Quando me Encontro com a Vida entre meus Mates

Sebastião Teixeira

 

Todo o verde do meu campo

sobrou na cuia de mate,

que sorvo ao pé do braseiro

nas horas de solidão

 

fecho meus olhos cansados

buscando reminiscências,

prá sentir toda querência

na palma da minha mão.

 

Nessas tantas madrugadas,

quando o sono bate as asas,

e o silêncio ronda as casas

sob a vigília da lua,

 

escuto vozes, distante

que o vento toca pôr diante

no timbrar dos aramados.

 

E aos corredores, galopes,

de tropilhas chimarronas,

ariscas potras gavionas,

dos meus sonhos mal domados.

 

O tempo é bagual sestroso

que a gente enfrena sem medo,

mas não encontra o segredo

do seu lado de montar.

 

Quando se é moço, se pensa

que o tempo é cavalo manso,

que se sujeita ao cabresto

e à espora, sem corcovear.

 

Mas ah! o tempo é maleva,

ninguém descansa em seu lombo,

e ensina, tombo por tombo,

que não se deixa domar.

 

Eu sonhei em ser ginete

dos aporeados, que a lida

me presenteou, pela vida,

por ventenas e araganos.

 

Mas compreendi que,

a lo largo,

os sonhos não são cavalos,

e jamais se acerta pealos

nas patas do desenganados.

 

O rancho sobrou na estrada

do corredor sem destino,

prá o sossego de um teatino

já cansado de andejar.

 

Que olhando só vê miragem,

porque o verde da paisagem

daqueles campos de outrora,

já não consegue enxergar.

 

E ao se dar conta do quanto

que o progresso fez estrago,

chora de amor, pelo pago,

pois não é feio chorar.

 

E eu sinto os olhos molhados

qual duas vertentes d’água,

misturando dor e mágoa

na mesma poça do mate.

 

Queria saber agora

o motivo e o mandante,

que essa maldade fizera

de transformar em tapera,

os campos nas sesmarias,

 

mandando embora campeiros,

prá ouvir nos ranchos povoeiros

o choro triste das crias.

 

Dá pena ver lá no povo,

velhos “moirões” das estâncias

cruzando noites em claro,

ao rigor das invernias.

 

Como pau-ferro, ao relento,

cuidando coisas alheias

aos poucos vão sucumbindo.

Enquanto em casa, dormindo,

o patrão fica mais rico.

 

Que “mala suerte” dos diachos,

já sobra pouca esperança,

porque, no más a ganância

rouba os sonhos e os motivos.

 

O tempo não tem piedade,

e ao pobrerio, na cidade,

restam poucos lenitivos.

 

Por isso me perco, às vezes,

nas horas mortas da noite,

peleando contra esse açoite

da vida e me castigar.

 

Na seiva quente que sorvo,

reforço a fé e a energia,

na certeza de que um dia,

tudo haverá de mudar.

 

Quero sementes de vida

rebrotando nas coxilhas,

o cheiro das maçanilhas

no frescor das manhãs frias.

E que o verde do meu mate

se espalhe no campo afora,

prenunciando nova aurora

no raiar de novos dias.

E que a força de meus versos

ressoem como clarins,

ecoando nos confins

ao longo das sesmarias.

 

Até que o rumo não muda

e o temporal não espalha,

ninguém por certo, atrapalha

este ritual de galpão.

 

Onde um torena solito,

palmeia o seio moreno,

morno, redondo, pequeno,

na forma de um coração.

 

E quando a barra do dia,

chegar trazendo searas,

de amor, justiça e igualdade,

 

quero estar de sentinela

prá que ao abrir a cancela,

possa servir ao meu povo

o calor de um mate novo,

de paz e fraternidade.