DESTINO DE PRENDA

           Sebastião Teixeira Correia

 

Fora parida na estância

Por parteira de mão boa.

Cresceu menina bonita,

Com seu vestido de chita

Atormentava os piás,

E os longos cabelos negros

Quase cobrindo a cintura,

Realçavam a formosura

Daqueles olhos de paz.

 

Aprendeu ainda cedo

Os trabalhos da fazenda,

E trabalhou desde nova

Acompanhando a patroa,

Que por ser mãe, e mãe boa

Aconselhava a prendinha,

Afora dois piazitos,

Ainda bem pequenitos,

Paridos tempos depois.

 

E os anos foram passando

E os longos cabelos negros

Da moça de olhos de paz

Foram crescendo com ela.

Transformou-se na donzela

Mais bonita do rincão.

E a peonada da querência

Passaram a sonhar um dia

Ter a prenda como esposa,

Não se importando com o preço.

 

Até mesmo as aventuras,

Aquelas mais perigosas,

Com redomões, com mestiços,

Tinha peão que fazia

Como parte da conquista.

Outros, nos dias de festa,

Iam exibir os seus trajes

Encomendados de longe

Para a ocasião especial.

 

Mas foi numa dessas noites

Que a moça perdeu o sono,

Pensando coisas que nunca

Imaginava pensar:

Ir-se embora pra cidade

Aprender a elegância,

Que a vida simples da estância

Não poderia lhe dar.

 

O pai ficou espantado

Com as idéias da filha,

Que amanheceu nesse dia

E que agora ia contando

Na hora do chimarrão,

A mãe caiu em soluços,

Premeditando o destino

Da filha, que era o seu mimo,

Criada com tanto afeto,

Que vinha agora arrancar-lhe

O pranto do coração.

 

Foi-se embora, e a cidade,

Grande como ela queria,

Aos poucos fora surgindo

Diante dos olhos bonitos

Acostumados a ver

Os horizontes azuis

Beijando as gramas da pampa.

Cortou seus cabelos negros

E as tranças mandou pra casa

Como lembrança à família,

Junto ao vestido de chita.

 

Mas não passou muito tempo,

E a moça de fino trato

Outrora simples bonita

Batia em portas estranhas

Pedindo abrigo pra noite,

E carregando nos braços

Um filho que ela mesma,

Em desespero profundo,

Confessava a todo mundo

Não saber quem era o pai.

E após este, veio outro,

Depois outro, e outros mais.

Ninguém mais lhe abria a porta,

Ninguém mais lhe dava pouso,

 E ela rolou na calçada,

Nas noites frias, molhadas

Vestida em trapos imundos,

E os filhos... Lhes dava o mundo,

E o próprio mundo os tirava.

 

Indiferente aos que cruzam

Nas horas mortas da noite,

Ela se encolhe em suas vestes

Para dormir ao relento.

Satisfez os seus caprichos,

Se educou na sociedade;

E há de morrer na cidade,

Parindo filhos do vento.