NOS PAGOS DO FAZ-DE-CONTA

 Roberto Mara

 

Nos pagos do faz-de-conta

todo piazito e patrão,

calça botas de garrão,

fuma palheiro sem fumo,

e sem arreador reponta,

solito feito charrua,

tropas de sombras sem lua,

gritando pra rês da ponta.

 

”Segue a trilha, foi sem guampa...

Pra coxilha, vaca pampa...

Te comporta, mano velho...

Manada que nasce torta,

endireita só no relho...”

 

Olando para os escuros,

inventa um rumo e se vai;

solta a voz num “Sapucaí”

detrás de umbus sem taperas

pr’afastar os esconjuros;

e com grilos ribanceiros

aprende os cantos ponteiros

dos verdes e dos futuros.

 

“Segue a trilha, boi sem guampa...

Pra coxilha, vaca pampa...

Te comporta, mano velho...

Manada que nasce torta,

endireita só no relho...”

 

Até que pia ficxa taludo,

e loucoi pra’alçar a cola,

bombeia longes, pachola,

com ares de bem-te-vi,

proseia que sabe tudo;

domar potrancas e a vida.

Quebra o cacho, e na partida,

monta em pêlo um medo mundo.

 

Na ida, os sustos e a estrada,

batem na marca pra frente,

e a pua escreve um presente,

tempos que tempo detém;

o dia e noite assombrada,

e a noite é laço pros dias;

como se fossem as crias,

que o sol aponta pro nada.

 

Perde seus passos primeiros,

tangeando amores teatinos,

e vai changueando destinos

de luzes, malas e rezas;

e entre risos caborteiros

e canhas de marca boa,

assunta conversa á toa,

pra namoros candongueiros.

 

Pelotando” céu  e rios,

cincha, rima e ilusão,

dedilhando no bordão,

farrapos de serenatas,

e segue a charquear vazios,

lembrando o nome de alguém,

nos fantasmas em vai-vem,

de sotaques arredios.

 

Nas águas da madrugada,

o frio é mais chimarrão,

e o orvalho estupra  o chão,

os telúricos verdejos.

Em cada pata encharcada

a volta nunca tem fim,

e fica roncando um “sim”

nas ervas d’outra mateada.

 

Pampa e azul,

parceiros de serra e mar...

Pampa do Sul,

onde as trilhas de voltar?

 

Carcaças têm boitatás,

que o sonhos mente alcançar

nas lagoas do luar,

e nas fontes do silêncio

arrodeado de taiás;

e em vivas rotas de trilhas

onde as almas das coxilhas,

s’engravidam co’os sabiás.

 


Para onde namorar,

reponta contra as correntes,

buscando altura e nascentes,

feito cardume dourado.

A cada recomeçar,

qual nuvens castrando estrelas,

com lombo alumiado a velas,

pede pro rio esperar.

 

E as águas do rio, em cio,

com relinchos de bagual,

navegando vida abaixo,

fazendo do berço um curral...

 

Horizonte corujão,

mergulha ranchos e gente,

tingindo com sangue quente,

a foz de rios sem volta.

A cada calo de peão,

Minuano grita um apelo,

e agita língua de gelo,

nas caseiras do fogão.

 

Traz escarceando as auroras,

a contagem e o suor,

e o sulco gringo e a dor

de pegadas sem fronteiras.

E no orgulho das esporas

madrinhando eguada altiva,

repete esfinge nativa

do eterno andejar das horas.

 

A ronda dum Deus amigo,

sempre escora um índio vago,

e o calor e a cor e o afago,

de guaranis e imigrantes,

os cabrestos do inimigo,

não são bucal nem maneias,

porque segura nas veias,

a seiva do verde antigo.

 

pra quem tropeia solito,

quelquer distância é querência,

saúda é poncho de ausência

inventando arranchamento;

as loucuras de mancito,

pampeando recuerdo lento

nas perevas do cusquito.

 

Quem sai como que a-la-cria,

caçando as próprias lembranças.

Afina o tom de tardanças,

alguma copla esquecida.

No violão da fantasia,

chora a luz do entardecer,

e sente o pampa crescer

tropeando a barra do dia.

 

Em cada pedra a paixão,

acorda acordes dormidos,

juntando versos perdidos

ás cinzas d’outros foguitos.

Pelego e fogo de chão,

recriam velho ditado:

“Onde huve fogo vexado,

se term fumaça, há tição.”