NOITE DE AUSÊNCIAS

Osvaldo Machado

 

Abrindo o baú do tempo

a saudade mete a cara...

 

Aquento a cambona, cevo o mate,

enquanto ouço um Urutau,

que de longe faz costado

pra um grilo,

que seresteia solito

nalgum canto do galpão.

 

Enquanto a combona chia,

vou ao fundo do baú,

busco maviosas lembranças

guardadas com carinho,

que só numa noite de ausências

se pode revive-las, outra vez...

 

As horas troteiam em direção à aurora

sem preocupação alguma.

Ouve-se um silêncio profundo que de quando em vez

é quebrado pela voz do vento na quincha do galpão.

Enquanto isso, remexo o baú grande do tempo

em busca de algum alento.

 

Entre um mate e uma lembrança,

puxo um “naco” daquele amarelinho,

fio de ouro, vindo de Sobradinho,

que guardo para os meus vícios

nas noites de insônia.

 

Pico bem a preceito,

sovo bem na palma da mão

puxando cada fiozinho

como se fosse uma rima rica e perfeita

para um verso de aporfia

no estilo Gildo  de Freitas.

 

A palha de milho catete,

das plagas de Encruzilhada,

caprichosamente sovada

com as costas da minha “Coqueiro”.

 

Fecho um baio, bato o tição,

ascendo e tiro uma tragada

daquelas de fazer corações no ar.

 

No meio da madrugada

numa quietude de tudo,

um pensamento insistente

pede prosa pro campeiro.

 

Quase ao cantar do galo

quando a lua descamba para a aurora

repisando o próprio rastro.

Que busco mais um feixe de lembranças

que o tempo não apagou.

É nessas horas, que o potro pensamento

corcoveia e não respeita o alambrado.

 

Então fico relembrando...

...esta vida é mesmo estranha,

do destino a gente apanha

até um dia entender

que o amor é como o sol...

nem sempre aparece,

mas se sabe que existe!

 

Entre uma pitada e outra

do meu baio bem sovado,

ouço a voz do silêncio,

remexendo no passado.

 

Ah! que saudades...

Saudade é tropilha maula

que se chega despacito,

é pior que matear solito

quando a velhice nos bate.

 

Pois chega lenta e matreira,

e como quem nada quer,

se amoita no pensamento

do vivente acabrunhado

que vai buscar no passado

as razões pros seus lamentos.

 

Encho mais um mate,

tiro mais uma tragada, e...

enquanto uma tropilha  de lembranças

troteiam a esmo,

construo um universo de sonhos

que a realidade desfaz.

 

Mas nestas horas calmas,

quando a boieira desperta,

o pensamento me leva

 onde jamais chegarei.

Então, encho o mate e tomo de novo,

sem ter com quem partilhar!