RELATO DO POSTEIRO SÓ

Moisés Silveira de Menezes


Num ermo fundo de campo,
no contra ponto forte do cerro,
bem onde o rio faz a curva,
no pago da minha infância
plantava-se, um rancho tosco,
de barro, palha e taquara,
onde habitava um sólito,
de origem desconhecida,
ganhando a vida a lo largo,
quebrando potro gavião.

Deixando a estrada real,
num galope de rédea curta,
para a direita, desviando o perau,
a picada, estreita, pedregosa,
terminava num de repente,
na boca "ancha" escancarada
da cancela, um monumento
de moirões de guajuvira,
onde encimava um forneiro
sentinela num mangrulho.

Um campestre verde escuro
entremeado de ervas ralas,
no plano se esparramava
buscando a sombra do oitão
da centenária figueira.
desfiava a vida em recuerdos
calado, palmeando um mate,
traços rudes de ameríndio,
perfil de angico imponente.

Tarde longe, sol se pondo
entre o palheiro a o amargo
como se esperasse por algo,
na cancela firmava o olhar,
depois, passeava as mãos calejadas
tirando dois ou três acordes
de uma guitarra alquebrada,
e uma coplita pungente
escapava da garganta
fazendo eco ao redor.

Alguns dizem ser louco
por alto, meio variado, de lua,
recluso de pouco assunto,
mas respeitado por bueno,
pois, o rancho era paradouro
para mascates e andejos,
que traziam novas do povo,
- A causa, uma morena trigueira,
que bateu asas prá o mundo
num agosto já "mui lejo".

também cantavam a meia boca
que um gateado lunarejo
em lida braba de estância,
saiu vendendo os arreios
por duas léguas de campo,
e talvez num desacerto
de mau jeito largou o taura,
que ficou assim, tantã da idéia,
quando a melena em alvoroço
bateu de seco no chão.

Pétrea estátua parecia,
quando, arrinconado em si
ruminava anseios potros.
olhar cinzento, estirado
no corredor do horizonte
como quem busca um luzeiro
pra alumiar estrada e rancho,
estampa do velho monge
e jeito de quem tem tempo,
por já ter lido o destino.

Nunca contava de si,
nada lhe era indagado,
tampouco d'outros falava!
na roda de mate e prosa
assunto sempre bailava
entre os que fazeres de estância,
alguma queixa, chistes, relatos,
parece que compreendiam,
que há um mundo todo … parte
nas razões de um solitário.

- á noite em horas inquietas,
quando a pensar me entretenho,
a imagem chega de longe
rondando a tropa dispersa
de um rodeio de recuerdos;
- Faz parte da minha infância
o velho ermitão do posto,
que por um ou dois motivos
enclausurou-se na soledade
daqueles fundos de campo.

Jamais lhe entendi as razões,
se a china ou o boléu do gateado.
mas, garanto, nada mais feio,
que um amor quando se afasta
e o corcovear de um ventena;
- Apenas a copla triste
de quando em vez salta alpedo
do baú das remembranças
e aflora em tom de milonga,
quando relembro meu pago.