DIVAGAÇÕES SOBRE UMA PASSANTE AO ACASO

Moisés Silveira de Menezes

 

Sem recordar os seus olhos

Dois luzeiros cintilantes,

Mirando um ponto qualquer,

Lembro a vã tentativa,

De lhe chamar a atenção,

Enquanto a guardava alhures

Idéias quase em desordem

Um gesto mudo, suave,

Que na alusão mais singela

Passarinhasse um sinal.

 

Sinal é o que se percebe

Num gesto sem pretensão,

Cabelos lourando ao sol,

Trigais tremulando ao vento,

Instantâneo, inesquecível

Colorindo o gris da tarde,

Na pequenina cidade

Distante dos megacentros,

Fazendo a mente viajar,

Num sonho, sem tempo certo.

 

De onde teria vindo?

D’algum rincão escondido

Quem sabe d’outro planeta?

Não importa de onde veio,

A percebi de repente

Como brotando do nada,

Quando pousei o olhar,

Na silueta que surgiu

Envolta em véu de silêncio

Entre os gerânios da praça.

 

O andar de passos leves

Num levitar ritimado,

Como as antigas canções

De embalar sonhos e medos,

No olhar, fulgor de aurora,

Imagem de abrandar fúrias,

Lembrando na relancina

A espreita, raios de sol,

Dourando entre as brumas

Dos cerros do guassupi.

 

Alvorescências de outono

Em sóbrio quarto minguante

Transparência no rosto,

Como a inquietar a quietude,

Na calmaria da tarde.

Quem sabe viesse de perto

Trazendo ainda o frescor,

Das crespas águas dos rios,

Lucifulgindo um prenuncio,

Do fim, dom fim do verão.

 

Esguia, bela, elegante

Como essas garças de bando

Que surge nos finais de tarde,

No espaço delimitado

Dos açudes e lagoas,

Um gestual bem estudado

Como alguém que retardou-se

Para viver o intermédio

Entre os que ontem se foram

E os que virão amanhã.

 

Nas horas calmas de ausente

Solito com meus gardados,

Divorciado da matéria

A imagem chega de manso

Como quem vem para ficar,

O porte altivo que evoca,

A moura da salamanca,

Com aura de luz solar,

No contraponto das sombras,

Das luas nuas da gente.

 

Sem recordar os seus olhos

Guardei visões fugidias,

Para tentar num relance,

Compor-lhe perfil à altura,

De fêmea, doce, harmoniosa,

Dessas mulheres comuns

Do sul do sul do Brasil,

Que passaria alô largo,

Se um tênue raio de sol

Não lhe enquadrasse a figura.