ROMANCE DO CARRETEIRO

Marco Pollo Giordani

 

Varejaste o pampa enorme

Na mais xucra anatomia

Dedilhando a geografia

Deste garrão de hemisfério;

Só tendo por refrigério,

Aquela baguala ânsia

De transformar-se em distância

No duro ofício gaudério!!

 

Sobre o risco da carreta

Que o virgem solo sulcava,

Outra trilha se formava

Nos atalhos das planuras.

E assim - palmeando venturas,

Bandeaste de pago em pago,

Bebendo trago por trago

Das primitivas lonjuras!!

 

Quando o sol - forte, desnudo,

Ao largo do chão - clareava;

A boiada se aplastava

E ao lerdo tranco seguia

Então - na campa vazia

Co’ a buzina - milongueando,

Ia a carreta rodando

Na guapa coreografia!!

 

E a noite - vinha de manso

A te espreitar rente a sanga

Co’os dois amigos da canga

Para um descanso - afinal!

Mas - no silêncio campal,

A viola amiga chorava

E um fio de lua rondava

Teu tosco cerimonial!!

 

Mas quando a velha carreta

De mau jeito - na falseada,

Ficava lá - entreverada,

Bem no meio do atoleiro,

Os dois amigos - parceiros

Da mesma sina - tão braba,

Deixavam rastros de baba

Por sobre o barro campeiro!!

 

E a rude e estóica carreta,

Teu berço - escola e ofício

Arquejando o sacrifício

Da carga - até dava pena!

Entulhada de erva buena,

Fumo em corda - amarelando,

E até mesmo um contrabando

De graxa e farinha ajena!!

 

Foste o elo valoroso

Na afirmação da Intendência

Sempre que a vasta Querência

Reculutasse pra ação!

Mui lindo era ver então,

A carreta disfarçada...

Mas na certa - transformada

Num paiol de munição!

 

E os velhos tempos - sofridos

Mas tão puros - foram embora...

E sei que sofres agora,

Lembrando os tempos de antanho!

São dois mundos - dois tamanhos

Do evoluir desmedido;

Aquele - tão conhecido

Este porém - tão estranho!!

 

Talvez não entendas nunca

Melhor talvez - seja assim

Talvez  deixaste pra mim,

Viver a barbaridade

Dos carros da atualidade

Na crise do combustível,

E o incerto e imprevisível

Futuro da humanidade!!!

 

Mas ao final - devo eu,

Dizer-te - velho aguerrido

De cabelo encanecido,

Misto de santo e guerreiro:

Viste o garrão brasileiro

Primitivo e sem barulho

Por isso eu grito este orgulho:

Sou filho de carreteiro!!!