ROMANCE DO AMADEUS LOUCO

Marco Pollo Giordani

 

Gaudério é vertente humana

Serpenteando pelo chão

Que de rincão em rincão,

Vai buscando novo alento;

Inconstante como vento

Num upa - mudando rumo,

- Sol nascente - sol à prumo...

Só estrada no pensamento!

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Alariava a cachorrada

Quando chegava o gaudério!!

 

Pó no lombo - remangado,

Barba crescida e a mochila,

Dependurada no braço...

Mais parecia um fantasma

Pela estrada da Querência!!

 

Entre gritos pros cachorros,

Oh! De casas pro patrão,

Puxava de uma risada

Guspindo grosso no chão.

 

Se era louco - se era certo,

Talvez nem ele sabia...

Mas uma coisa era certa:

(Tinha horizontes na alma)!??

 

Contavam que dantes - fora

Dono de campo - morada,

E até agarrou família.

Mas por nunca ter parada,

A rapariga mandou-se

Na garupa de um estranho!

 

Desd’aí, o Amadeus Louco,

Já bastante desnorteado,

Largou-se mundão a fora!

 

Nem um Zaino - bom de arreio

Nem mesmo um burro ruano...

Agüentaram o louco tranco!

 

E então foi que resolveu...

Andar enfim - apezito!

 

Quando chegava na estância,

Numa algazarra tamanha

Todos rodeavam o gaudério...

 

E ele - falando sério

Lembrava miles façanhas

Por donde houvera passado...

Depois... a baita risada...

Cortava voltas de ar!!

 

Era criança - cachorro,

Gente grande, tudo em volta

Curiosos pelas notícias

Que o velho Amadeus trazia.

 

“Contava - gesticulava...

Dava risada guspia!

 

O mundo grande - infinito...

Pequeno lhe parecia!!

 

- A china do Zeca Perez

deu cria um bruto dum home

 

- O filho do Doca Neto,

Tomou um tiro na bexiga”

 

- A Candinha do Juvino,

Já casou meia-barriga!

 

“-Coitada da Dona Bina...

Se topou com o Lobisome!!

 

Era um jornal de memórias

Relatando acontecidos

Nos redores da Querência!

 

Um gol de mate - uma pausa

De novo a baita risada

Se espreguiçando no ar!

 

Mas nunca aquentava banco

Um pouso...dois...já se ia...

A estrada que desse o rumo!!

 

Havia até uma tristura

Quando o louco se bandeava;

Parece até que ficava

O eco de uma risada

No rastro de quem se foi!

 

Faz anos - correu notícia

Que tinha juntado os cascos

Ao passar numa pinguela...

 

Sobre a flor do redemunho,

Só veio à riba a mochila!

 

Contaram depois mais tarde

Que muito abaixo - no arroio,

Aparecera a ossadura...

No mesmo molde e altura

Do corpo do andarengo!

 

Pura pêta... assuntando:

 

Foi janeiro - Sol quente,

Já virando o meio-dia,

A estância na calmaria

Abrigava sesteadores

Debaixo dos cinamomos...

 

Batia um ventinho morno,

Trazendo paz...pro cochilo!!

 

Foi aí que uma risada

Como um clarim de alvorada,

Retundou pelo silêncio!


 


Ah!...menino...uma risada,

Um susto - e toda a peonada

Desenhando a cruz no peito

Num gesto até de respeito

À quem se foi...mas voltou!

 

E o louco - já sabedor

Da notícia que correra,

Parou de rir - ficou sério

-Se transformando em mistérios,

Puxou dum cepo - e contou:

 

- Andei lá - no pago eterno...

me trafuncaram no inferno

no meio do fogaréu

então - tapiei o chapéu

e gritei pra diabaiada:

- Reúna toda a cambada

Que aqui quem manda sou eu!!

 

Assei carne - tomei mate

Naquele ambiente inflamado!

Mas no dia dos finados,

Por causa duma diabinha

Que se veio pra minha beira,

O “Luciofer” - calaveira

Me saiu com lenga-lenga

E eu - palmiei a xerenga

No lombilho do danado!!

 

Oigatê - coisa braba...

Os outros também se vieram!!

 

Era garfo e era faca

E era grito do diabedo...

Quase no fim do brinquedo

Pra que não ficasse mágoa,

Atirei um balde d’água,

Bem no meio do brasedo!!

 

E aproveitando a fumaça

Olhei pra baixo e me vim...

Dizendo de mim pra mim:

- Nunca mais eu volto aqui!

 

Pois parceiro lhes garanto:

- Andejei de canto a canto

na mansão Celestial.

 

Que se fale - que se diga

Que se alargue - que se expande:

Querência igual ao Rio Grande...

Nem lá no céu - tem igual!!

 

Então...a baita risada

Do louco e de todos mais!!