RECUERDOS...

Marco Póllo Giordani

 

Águas puras que rolaram

Na cascata da existência!

Infância é como uma essência

De arte - de ingenuidade.

Como é penosa a saudade

Depois da gente criado,

Ficar por horas pairado

Vivendo - o agora - impossível

No verdor indescritível

Daqueles anos passados!!!

 

Minha infância - céu  - estrela,

De brilho curto e andante

Que passou-se - foi instante,

Um sonho até - me parece!

Mas quem viveu não esquece,

Inda mais eu - que nasci,

Mamei apojo e cresci

No campo aberto - sem fim...

Que soube dar rumo - assim,

No meu viver de guri!!

 

Lembranças - quantas que trago

Dos idos tempos de piá;

Caçadas de surucuá,

Rabo-de-palha - socó

Pomba mansa - carijó,

Nos pelados de rodeio,

E algum bodocaço em cheio

Nas paletas de um guará,

Viciado em querer melar

Um frango em terreiro alheio!!

 

Recuerdos me vem das tardes

Quando janeiro - braseando,

Me via assim - mergulhando

Dum lado a outro do açude.

Nadar bem - era virtude

Por demais admirada

E mesmo quando a piazada

Nos domingos - se ajuntava,

Havia até quem jogava

Nas carreiras de nadada!

Depois mais tarde - a bolita,

Feita de barro batinga,

Neste jogo - invenção gringa,

Muita carteada ganhei.

E lembro - quanto pelhei

Por uma joga - uma raia!

Pior que rabo de saia,

Bolita era a perdição;

Mas tornou-se devoção

Do piazote de campanha,

Que negaceava artimanhas

Na tábua bruta do chão!!

 

Ah!... se me lembro parceiro,

Mas piá - é bicho levado;

Do troncho velho - tostado,

Quanto mangaço sem pena...

Quanto riscar de chilenas

Da virilha até o lombilho!

Depois - no cocho de milho,

Me olhava triste e comia

Parece que até dizia:

“Não posso ser mais potrilho!”

 

Recordo as manãnas frias;

O bichará feito à mão;

O fogo grande de chão;

A erva mansa - o porongo;

A bomba de trago longo;

A preta velha chorona;

A terneirada mamona

na ânsia duma mamada,

e o quebra-quebra da geada

nos tacos das russilhonas!

Recordo noites sem Lua,

Silenciosas - de galpão.

Dos causos de assombração

Cruzando campas escuras.

Fantasmas e criaturas

Que povoavam cemitérios;

Caretas – vultos - mistérios,

De pavorosas entranhas;

Diabo-rengo - na campanha

Lobisomem - nas estradas

Atiçando a cachorrada

Numa algazarra tamanha!!

 

Triste fico quando vejo

Essas infâncias de agora...

Sem esplendores de aurora,

Sem sol e sem liberdade,

Confinadas nas cidades

Respirando poluição,

Enquanto a televisão

Mostra a tecnologia

Duma humanidade fria

Sem alma - sem coração!!!

 

Minha infância - quadro puro

Esculturado em folguedos...

À sombra dos arvoredos,

Tendo por fundo os ervais,

São tempos do nunca mais

Que vivem na evocação,

Mas trago no coração

A imorredoura saudade

E aquela louca vontade

Dos idos tempos de então!!