JOVINO

Marco Pollo Giordani

 

Dos meus recuerdos de piá,

Me vem - o velho Jovino.

Corpo sofrido - franzino,

Chapéu grande e barbicacho;

Pariu-lhe um destino guaxo

De andejar por pulperias...

Na xucra deontologia

Profissional - de um borracho!

 

Crescera borracho feito

Disso - ele próprio falava...

Sempre depois que mamava,

Vinha-lhe o Pai - com a canha...

“Meu filho: não faças manha

com a campeira medicina

pois essa é a melhor vacina

pra um piazito de campanha!!

 

E o pai - entocou-se novo,

A mãe - bandeou-se com outro...

Ficou o Jovino - inda potro,

Jogado daqui pra ali...

Pelas barrancas do ijuí

Tragando duras estâncias

E assim que - passou a infância

Sem saber que foi guri!!

 

Na escola - teve só um dia

Luitando com a tal “tabuada”...

Ouvia só uma zoada

No jeito de mamangava;

Nada daquilo lhe entrava

De letra ou numeração...

Até - bateu-lhe a impressão

Que o próprio Mestre - bailava!!

 

Soltou-se depois - solito,

Na grande escola do mundo...

Mostrando no olhar - profundo,

As mágoas de um sofredor!

Quando de encontro com a dor,

Puxava o frasco e bebia...

- Primitiva anestesia

Para os carentes de amor!!

 

Um dia - mudando o rumo,

Se veio pro Pessegueiro;

E no ofício de ervateiro,

Resolveu plantar morada.

Mas quando - de madrugada

Rente ao sapeco - sentia,

Que a vida - se contorcia

Que nem erva sapecada!!

 

Por certo -  não atinava

Que aquele verde - queimando,

Ia aos poucos - completando

A lei da transformação!

Que a própria desilusão,

Dá impulso pra nova vida

Pois é da erva moída

Que se faz um chimarrão!!

 

Por certo - não entendia,

O porque - duma vivência.

No entanto - tinha consciência,

De sortes - tão diferentes!

Uns eram ricos - contentes,

Outros - pobres – sofredores...

Que sempre a servir Senhores,

Levavam toda a existência!!

 

O mundo que mastigava,

Era duro de engolir.

Tinha apenas - no existir,

A alma - desesperada!

O resto era o próprio nada

Que transformado em lamento,

Cortava mais do que o vento

Cruzando a noite gelada!!

 

Parece até que te vejo

Naquele andar cambaleante...

E o carregado semblante

De um Cristo - sendo açoitado;

Em cada passo - estudado,

Toda a perícia e capricho

Até chegar no bolicho

Do outro lado do lajeado!!

 

Um dia - desceu pra venda,

Bebeu  - e pôs-se a fitar...

Palmeando calmo - no olhar,

O Sol - caindo ao longito!
assim - tragueando infinito,

De copo ainda na mão

Desconjuntou-se no chão

Morreu - num tombo bonito!!

 

Na larga noite - o velório,

Reuniu de pronto - a Querência...

Como se - daquela ausência,

Brotasse forte - a amizade!
talvez porque a sociedade

Da qual tu não pertencias,

De repente - compreendia

O vazio duma orfandade!!

 

No entanto - não te faltaram,

Amigos - da mesma sorte...

Que mesmo - diante da morte,

Levavam a vida a roldão!
e foste enterrado - então,

Por cernes - da mesma raça

Pois nunca mermou a cachaça

Em volta de teu caixão!!

 

De vez em quando - me achego

- Pelos dias de Finados

Naquele brete sagrado

Lá do “Lajeado Paulino”,

Contemplo - no chão teatino,

O fim da matéria humana...

“A sombra de um pé de cana,

descansa em paz - o Jovino!!