ROMANCE DO EMILIANO
Marco Antônio Dutra
Quando o sol se alça de golpe
para o crepitar da manhã,
abre as janelas da vida
buscando sonhos eternos
pra comunhão das mateadas.
As tambeiras ruminando
pela volteada das casas
O prateado com jeito de
capataz
abre o bico no topo de uma tronqueira
anunciando pra peonada
o despertar da manhã.
Tudo parecia igual,
naquela manhã de agosto.
As águas geladas da sanga,
os campos queimados de geada,
a cavalhada solta no pasto
e os quero-queros recriando o alvoroço.
Porém, tinha algo de estranho
no ar,
por traz das paredes grossas
do casarão da estância
uma mulher esperava
a sua hora chegar.
E na varanda da frente
sombreada por galhos largos
de um umbu imponente
prendia pelo cabresto
um potro de ano e meio
como a prenunciar,
"se
é que creio",
no ginete que nascia.
Lá de cima, do sobrado,
desciam gritos de alerta,
da tia Norica a parteira:
- Mais pano branco,
mais água quente,
pois está nascendo um ginete
tal qual o seu velho pai.
Nas paredes da sala,
que acomodavam molduras
de antigas fotografias
amareladas do tempo
reflete por sobre a luz
de uma janela entre-aberta
a figura altiva de um homem,
que a passos lentos e fortes
quebra o torpor das horas
com ansiedades no olhar.
No catre, a bela mulher...
ainda com as frontes úmidas
e serenidade no olhar
bombeia para o piá
e como uma índia charrua
põe-se a amamentar.
O piazote que nascera de bom
estado,
Com olhos azuis de céu
e o bronze de muitos sóis
Numa mescla de italiano e
pêlo duro
fora chamo Emiliano
e batizado também
Cresceu nas lides do campo,
sempre ao lado do pai.
Fez-se ginete de ofício
De tanto encurtar distâncias
No lombo desses baguais.
Quando moço, fez seus gostos,
para as prendas desse chão,
pois tinha falas de sobra,
habilidades nas danças,
e mui quebra com facão.
Um dia bateu vontade,
de sair a outros rumos
Encilhou o ruano de lei
Pediu bênção a seus velhos
cravou esporas no pingo
e sumiu no corredor.
Este moço campeiro
na solidão da cidade
foi buscar colocação,
tão logo se aclimatou.
Na ilusão da cidade
do er e sempre ter mais
se atirou no trabalho
duma tal mineração.
Num cerro longe dos pagos,
bem além dessa querência.
E ali trabalhou por meses
a garimpar seu quinhão
E o taura mui valente,
Honesto e serviçal,
Logo foi afeiçoado
pelos mandantes do lugar.
Mas sempre com o pensamento
De voltar para o seu chão.
Numa noite de insônia,
repassou a sua vida,
desde que fora pra lá.
e sentiu ter chegado a hora
De dar de rédeas à querência.
Pois seus gostos de moço
tinha deixado pra traz
O lombo dos aporreados,
O laço campo fora,
O aparte de mangueira
e as pilchas de gala,
para os cambichos domingueiros.
Tudo lhe vinha a memória
naquela noite de volta,
a lua piscava-lhe os olhos
como a chamar-lhe de volta
pros campos de sesmarias.
Logo ao clarear do dia,
O Emiliano partiu...
Trazendo na sua bagagem,
"Seu achado", seus
pertences,
E muitos sonhos na mala...
Já de volta pras casas
vagueando nos pensamentos
retratados na memória,
os traços sublimes da mãe,
e o jeito serio do pai.
Mas ansioso por dizer
Vou encher os campos de gado
E as mangueiras de potrilhos.
Pois isto são meus amores
De homem ginete e campeiro.
Quando chegou na estância
foi avistando o sobrado,
na sombra do velho umbu
A mesma imagem de outrora,
quando partira dali
deixando a mãe acenando
com um lenço branco de paz.
Os mesmos braços abertos
lhe esperavam aflitos
com penas no coração.
Quando apeou do cavalo
sacando o sombreiro em respeito
seis braços de uma só lonca
se trançaram numa corda
pra nunca mais rebentar.