LIBELO CONTRA UM LADRÃO DE FAZERES, ANSEIOS E DEVANEIOS: O PROGRESSO

Mano Terra

 

Ah! O tempo!

Onde o tempo?

Percebo agora, que o potro-tempo

passou, assim, tão disparado!

Os guris cresceram.

Estão envelhecidos!

Meus bisnetos já mateiam comigo!

 

No tempo do potro-tempo, haviam

carreteadas e tropeadas!

Havia fogo-de-chão.

Trempe.

Guampa cheia de canha, de

coalhada, de tanta cosa.

Havia um pito bem grosso.

Fumo picado na concha da mão.

Rapé.

Pilão.

Havia geada de “mancá cachorro”!

E as noites eram bem escuras.

Em compensação,

as estrelas eram bem maiores!

 

O potro-tempo se foi.

Veio em seu lugar um cavalo maduro.

No seu lombo eu vi surgir o auto.

O rádio.

O avião.

O Frigider.

 

Eu vi o cavalo maduro carregar no lombo

os tarecos daqueles que se mudaram.

Foram pro povo.

Olhando vitrines, janelas e telas,

trocaram a solidão pela saudade.

O sossego pela ansiedade.

Trocaram a conversa macia pelas cartas,

pelos telefonemas apressados.

 

O cavalo maduro trouxe no lombo a tevê.

O foguete lunar.

A espaçonave.

 

Envelheceu nos corredores, trocado

pela pressa.

Os chasques chegam pela internet.

É assim que se diz?

 

Quantos cavalos-tempo já

passaram!!!

 

Pensando bem, estou

enganado!

 

Não faz tanto tempo, assim!

Eu sou a prova!

Estou aqui, ainda!

 

Estou aqui para testemunhar

um tempo que já foi calmo e sereno.

Os dias começavam e terminavam

com as algazarras benfazejas dos pássaros.

Iniciavam com a luz engolindo a noite,

e findavam com a noite engolindo o sol.

E descobrindo as estrelas.

E demoravam uma eternidade.

Hoje é diferente.

Dia vira noite e a noite vira o dia.

A esculhancraca não para.

 

E as noites já não mostram as estrelas.

 

Eu fico aqui a matear,

rumbeando longe...

Foi-se o galope o tempo de

cozinhar o tempo em panela de ferro.

Labareda branda,

Braseiro firme.

Homens e mulheres tinham voz macia e lenta.

Os piás se afastam para fazer alarido.

Quebrava o silêncio apenas o

rugido dos trovões.

E os relinchos dos baguais.

E o mugido do gado.

A vida deslizava mansa como

mansos eram os lajeados.

Mansas eram as manhãs e as tardes,

quando os temporais não vinham.

 

Inventou-se tanta cosa...

Fogão agora tem nome de microondas.

 

Aos milhares,

os inventos destinados ao conforto e ao ócio

dos homens e das mulheres,

servem para escravizá-los.

 

Antes, montava-se nos cavalos

para ganhar liberdade e poder.

Hoje, os tarecos inventados

montam nas pessoas

para tirar-lhes a liberdade e o poder.

 

Parece que o demônio comprou

o tempo e insiste em trocá-lo por dinheiro.

E tarecos.

 

Até os velhos relógios que

marcavam o tempo, nada mais valem.

Só relíquias, só!

 

Tudo é digital.

Tudo é automático.

 

E sempre aparecem demônios novos,

sempre mais aptos a negociar

novos tarecos inventados.

Inventa-se o que não foi pensado.

E ensina-se a pensar o que foi inventado.

E sempre tem mais gente

disposto a trocar o tempo pelas mercadorias

e pelos demônios.

 

É isso!

Somos escravos do demônio.

é ele que insufla nossas

vontades e nossos impulsos.

Enche nossos fazeres, anseios e devaneios.

Compra nossa capacidade de sonhar.

Os sonhos já vêm empacotados, prontos, sonhados.

O tempo não existe para ser vivido.

Existe para negar a vida.

Existe para incômodo.

Para notícia ruim.

E tempo tem nome de corre-corre.

E existe para consumir, perder, gastar, queimar, destruir a vida.

 

Ah! O tempo.

Ah! A vida!

Já se disse:

“Naqueles tempos, sim...

 

Nesse rumbeio dos mates,

enquanto o tempo passa,

vou me perguntando porque

será que inventamos as máquinas

e entregamos a elas o comando

de nossas vidas,

renunciando viver como seres livres?

 

Ah...

Cadê o tempo?

Cadê a vida?

 

Não existe vida sem o tempo.

Vida e tempo são a mesma coisa!

 

Encilho esse meu novo-velho pingo,

camado mate e sigo perseguindo a vida.

Não concordo de ceder ao diabo!

 

Eu, não!

Cruz credo!

Deus me livre!