PRIMEIRO E ÚLTIMO SONHO

                LUIS LOPES DE SOUZA

 

Meio Pedida no tempo

Joaninha fez sete anos...

No  rancho humilde e pobre

à beira do corredor,

presente ela já sabia

não ia ganhar,

o pai não podia comprar,

e assim mais uma vez

se foi a esperança,

de seu sonho de criança

nesse dia realizar.

 

Desde o dia em que Joaninha

se conhecera por gente,

ela tinha um sonho lindo;

O primeiro sonho que teve

na sua infância pobrezinha,

a esperança não perdia

de ganhar um certo dia

todo enfeitado de renda,

um vestidinho de prenda.

Ó, meu Deus, que sonho lindo!

e que realidade mais triste.

 

O seu pai era o João

que na pobre sina de peão

passava dias tropeando,

repontando ilusões

cumprindo a triste sina

de um pai pobre, mas honrado.

No rancho deixava a china

sua esposa bem querer,

tomando conta de tudo

e  da filhinha querida

a sua razão de ser.

 

E Joaninha inocente

cada vez que o pai chegava

sorridente perguntava

se o pai tinha lhe trazido

aquele lindo vestido

que em sonho ela viu,

mas o pai, coitado!

tristonho quase chorava

o dinheiro que ganhava,

às vezes até faltava

pro sustento deles três.

 

E mais uma vez Joaninha

ia ao catre se esconder,

pra chorar e ninguém ver

que realmente era lindo

o seu sonho de criança,

com seu peitinho gaúcho

talvez um dom, que Deus lhe deu

por ter nascido prendinha

neste Rio Grande sagrado.

Mas pra Joaninha o vestido

era apenas faz de conta.

 

Nesse dia tinha visto

num velho jornal que o pai

trouxera enroladas as coisas,

a foto de uma prenda

que sorridente vestia

o seu vestido de renda.

Na mesma noite Joaninha

ao dormir sonhou que viu,

do jornal sair a prendinha

e lhe dar um vestidinho

igual ao que ela vestia.

 

Acordara soluçando

por ver que era mentira,

tudo era uma ilusão

estava o catre vazio

fora um sonho e nada mais.

Mas sua inocente ambição

não deixava de pedir,

todo dia quando acordava

com esperança olhava,

parecendo que enxergava

aquele vestido lindo.

 

Era início de dezembro

na entrada do verão,

se foi o João

com esperança de sorte

na busca do ganha-pão,

quando partiu chorou

pois a pequena Joaninha,

mais uma vez lhe pedira

o vestido tão sonhado,

se foi João magoado

por ser um pobre peão.

 

E assim passaram os dias

e Joaninha com a mãe

esperava anciosa

pelo retorno do pai.

O fim do ano chegava

e Joaninha lá estava

sabia que era difícil,

mas mesmo assim esperava,

e todas as noites rezava

depois da benção da mãe.

 

Mas um dia Joaninha

amanheceu adoentada,

talvez uma simples febre

pensou a mãe preocupada,

e assim passou o dia

Joaninha cada vez pior.

Caiu a noite tristonha

e a mãe desesperada

sem saber o que fazer,

em um lugar sem recurso

naquele rancho solitário.

 

Pensava mil coisas

mas sem poder fazer nada

ao pé da cama sentada

rezava pra Deus Senhor,

mas Joaninha abatida

demonstrava passar mal,

Cruelmente atingida

por uma doença fatal.

Se  pelo menos João chegasse,

faria alguma coisa...

mas ele estava tão longe.

 

E assim, madrugada alta,

ali estava Joaninha

delirando em febre,

amortalhando seu sonho

tão lindo de criança,

assim mesmo, beirando a morte

se sentia uma prenda,

e na ilusão, na agonia

ela enxergava Jesus,

lhe entregar feito de luz

um vestidinho de prenda.

 

Enquanto que lá bem longe

João comprava o mantimento,

para logo voltar pra casa

dias estava fora

tropeando pelo sustento.

E assim lá no povinho

quando ele entrou na venda,

viu na vitrine exposto

um vestidinho de prenda,

sentiu saudades da filha

e lembrou que o Natal chegava.

 

Foi então que prometeu

com sua honra de homem;

- Nem que eu quase passe fome

hoje eu vou comprar,

pra dar de Papai Noel

a minha linda Joaninha.

O destino é traiçoeiro

ele nem se quer imaginava

que Joaninha, pobrezinha...

tinha partido levando

o primeiro e último sonho.

 

E assim pro pobre João

restou a angustia de peão...

 

c

a

n

t

a

d

o

 
 


             Noite feliz

              noite feliz

              pobrezinho nasceu

              em Belém.

   

        

Era o canto...

a prece do funeral...

Um caixãozinho...

e Joaninha...

Que parecia sorrir

com o vestido de prenda

seu presentinho final...

Primeiro e último sonho.

... Era noite de Natal...