OS GUARDIÕES DAS INVERNIAS

Luís Lopes de Souza

 


Esses homens,

mais parecem fantasmas que os julhos

despertam, dos fundos escuros dos ponchos

surrados ou das copas bojudas de mouros

sombreros...

 

Chegam mansos, alertas, porém,

com traços vivazes de caricaturas

que o tempo rascunha no esboço das eras.

 

Casmurros às vezes, falazes em outras...

São como petrificados em gigantes

estátuas, descansam arreios, estendem

caronas, abanam as brasas e plantam

garrões .

Esquivos e tesos, qual velhos

mangrulhos se fazem vigílias rondando fogões...

 

- A fúria hibernal das pagãs latitudes

assombra voraz no arrojo do vento.

Desmatizando as coxilhas ermas...

Redemoinhando pelos pajonais...

Arrepiando as águas dos açudes

e forjando coplas nos caraguatás...

 

- A ponta de gado pastando ralhado

e mugindo tristezas no andar vacilante

se estende no ruro do guamirinzal.

Temendo o gume do frio da garoa

que abre picada na várzea cinzenta

nas toças escassas de algum pastiçal...

 

- Até os redomões, alçados e xucros

retornam ariscos campeando a querência.

Os desmamados: borregos e guaxos

marasmam flaquitos, a gélida ausência...

 

O umbu já desnudo, galopeia minuanos

inerte e rijo de crista ao relento, as folhas

se foram num fim nevoento qual almas

caídas num frio desencanto...

 

... O vento relincha nas frestas e quinchas...

O chuvisqueiro há dias previsto

e profetizado por sábios campeiros

encharca o silêncio em lerdas goteiras.

Pancadas de neves com asas de plumas

prateiam em alces as vãs cumeeiras...

E lá dentro eles, solenes...

fugidos em si bem junto ao braseiro...

Os povoadores das estepes bugras,

os descendentes da natureza rude

num pago extremo que os fez herdeiros...

 

Esses homens...

Alguns, estancieiros coronéis

caudilhos por atavismo.

Outros, despilchados changadores

campeadores de “la suerte”.

Outros, desbravadores de rumos

que levam as almas nuas geografias de taperas...

Mas todos “hermanos” perante o rigor

e todos curtidos na mesma intempérie...

 

Palmeando a distância e abrindo clareira

na tarde sebruna um olhar pede cancha,

esse olhar quase fala, sestroso e saudoso

do aboio que urge na voz do tropeiro

e do bufo rebelde de um potro em tropel...

 

Esses semblantes duros, são ternos...

camuflados atrás de um bigode grande e

ressequidos por geadas e tempos...

mas ternos...

 

O dia se esvai... fugaz e lento

com faixas ocres e densas

num poente pardacento...

depois, nem uma estrela espia

o negror da ressonância...

e eles ali, ensimesmados...

a cismar previsões certamente precisas...

O mutismo se faz prece...

e o velho fogo de chão

a mais crioula das piras,

com brasas por oferendas

a esses homens legendas

os guardiões das invernias!!