Visagens na Tarde Gris

Luciano Salerno

 

A tarde fecha-se toda

Por entre a terra e o céu!

Um aroma de liberdade

Descansa no horizonte.

As nuvens vão sem alarde

Cerrando as pálpebras com o véu,

Fria e sem olhos vai-se à tarde.

 

Baila o capim em forma e movimento

O vento desenha este quadro campechano

Trazendo com fidalguia um verso de -Aureliano- :

 

*“ - ´stão cor de cinza e cor de chumbo

As cousas, o ar, o céu e o chão”.

Ah! Este cruel manto escuro

Deixa-me de pupilas paradas 

E ocultos silêncios no coração.

 

A tarde se faz pura e viva de poesia!

Às gerações e gerações restam versos

De todo o gênero, os mais puros

São estes os que surgem em momentos

Que na plenitude da alma

Aflora o lírico dos sentimentos.

 

Nestas tardes de julho

Encontro-me – cativo –

De olhar mudo e boca cega

Compartilhando esta nostalgia inebriante

Sem que do seu vazio

Fiquem marcas em meu semblante.

 

À tarde se retova

 Na paisagem que este matiz desenha.

Em acordes cruzando coxilhas e canhadas,

O vento traduz sem limites essa ausência

Que o inverno traz na gola do poncho-pátria!

 

As arestas destas mãos

São “casa” para as rédeas do lobuno

Que se mescla ao tempo reiúno;

E num tranco seguimos os três:

O flete pra lida, o cusco na escolta da rês,

Eu mantendo viva a raça campeira

Longe da ilusão povoeira!

 

Pois a galope

O progresso consumindo

A essência terrunha,

Vai groseando peçunha e casco,

Encurtando a longa estrada

De quem leva ao tranco

A vida em cima dos “bastos”.

 

Sim!

Aqui se busca o novo, mas,

Com o garrão firme no passado!

Pois as ditas - tecnologias -

Atolam o homem na cidade

Como vaca magra em banhado!

 

Uma chuva mansa

Desperta o cheiro da terra.

A paisagem engole o olhar

E gris - o tempo -

Transforma-se em templo

Para meu pensamento estar:

*- ´stão cor de cinza e cor de chumbo

As cousas, o ar, o céu e o chão”.

La pucha! Neste quadro de uma só cor

Os olhos buscam depois da várzea

Um rancho e um fogo de chão.

 

Assim por largos caminhos,

Perante a rosa-dos-ventos

Vão-se espalhando meus sentimentos:

- Que as nuvens... Mantenham o branco da paz;

- Que o verde... Se perpetue nas coxilhas;

- Que no ouro-sol... Brilhe a fé;

- Que a esperança e a igualdade

Andem com o vento por infinitos lugares.

 

- Fria e sem olhos despede-se à tarde;

 

Uma constante ausência de luz mantém-se e

Sentindo desaparecer a fronteira desse matiz

Vou rompendo o canto mudo do lugar

Para poder cortejar com palavras eternas

E redivivas, um salmo ao efêmero gris

Desta tarde mendiga!

 

A tarde fechou-se toda

Por entre a terra e o céu!

*- ´stão cor de cinza e cor de chumbo

 As cousas, o ar, o céu e o chão”.

Sigo pras “casa” cantando

Uma – Toada em Voz Baixa –

E buscando o matiz do meu galpão.

 

 

 

*Fragmento do poema “Toada em Voz Baixa

de Aureliano de Figueiredo Pinto.

 

* Tema inspirado na musica instrumental “Tarde Gris” de Guilherme Collares.