Elegia a uma Zaina Negra

Cristiano Ferreira e Luciano Salerno

Noite fria de agosto...

A garoa fina marcando o trote,

Sem pausa e lento, do tempo...

Contraponteando maus presságios

Nas asas do Vento Norte.

 

Sim! São essas imagens que retratam

A perda da Querência, num mosaico...

Onde mal se distinguem os vultos

Que testemunham o triste ato.

 

É estranho como acontece

Mas é a vida como ela é...

Que na hora da partida

Daqueles que se quer bem

Rebrotam tantas lembranças assim...

Que nos trazem pra razão,

E nos chamam pra o começo

Da história iniciada pelo fim!...

 

Foi num princípio de inverno,

Há duas gerações passadas,

Que o claro manto da geada

Teve o seu espelho quebrado

Pelo nascimento da potranca...

Nas macegas despejada.

 

Trazia noite na estampa

E lunares... no olhar,

Zaina Negra garbosa,

De porte ágil e altivo...

Um fortim de quatro patas

Se erguendo no “Caverá”!

 

Diz-se pelos domadores

- Pra bem da verdade -

Que na essência é o animal

Que escolhe quem vai montá-lo.

No caso, não foi diferente,

Pois tocou pra Don Malcorra

A doma e o arrocino,

Pra orgulho e encantamento

Nos olhos de seu menino...

 

...Essa magia pampeana

Que funde homem e cavalo,

E causa no peito moço

Estrondo de grande pealo.

 

Certa feita um touro brasino

Vinha fazendo estrepolias,

Refugando a mangueira,

E... foi de relancina

Que se “armou” a tormenta:

Sob a nuvem da poeira

Do turumbamba de patas,

Duas nuvens carregadas

Trovejaram o entrechoque

Numa descarga de energia.

 

E foi a “pechadas” de égua...

E a estalar no lombo - como raios -

Os mangaços de tala grossa,

Que o touro alinhou pro destino...

 

E os varejões apartaram as nuvens

...Pra voltar a calmaria.

 

Noutra feita...

Tropa por diante... e tendo que bandear

A margem do velho Santa Maria

- “Bufando”... quase fora do leito -

Don Malcorra largou a boiada n'água

E “de em pêlo” na sua zainita...

Encarnou Garibaldi navegando no Seival,

Conquistando a outra margem...

...No comando de sua nau.

 

Numa tropeada...

Sobrava égua pra cruzar caminhos...

Fosse na ponta, fiador ou culatra.

Voltava abaralhando o freio,

A trotezito “no más”... pela estrada,

Como dizendo ao campeiro:

- “Tô pronta pra outra jornada”!

 

Apartando num rodeio

Era a precisão sobre patas...

Leve nos movimentos,

Firme chegando com jeito!...

No desatar do laço

Parecia que ganhava asas,

Num rasante contra o vento...

Deixava “cerrar” a armada

E já ficava cinchando.

 

Vez por outra...

Era a montaria de ir pras bailantas...

Cola atada a “quatro-galhos”

E a estampa de luxo...

Dessas de levar prendas lindas

No seu “trotito” embalado,

Figurando estrada afora...

Lembrando um xote marcado.

 

Já... “quando em vez”...

Valseava um tranco lento... “pras casas”,

Que pra regar um verso rimado

Um “samba” a mais já da vaza...

E também... pr’um cochilito bem montado!...

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Mas as lembranças acalantam...

Quando a dor brota no peito

E a alma se apequena.

 

Noite fria de agosto...

A garoa fina marcando o trote,

Sem pausa e lento, do tempo...

Contraponteando maus presságios

Nas asas do Vento Norte.

 

O frio, agora, congela,

Topando com a dura verdade...

Que a parceira de mil jornadas,

Vai camperear na invernada

A qual chamamos... Saudade.

 

Morreu... Minha zaina negra!

Morreu como deve um flete de lei:

As crinas drapejando,

 “Viejita” e... solta no campo.

 

Um melodioso cantar do vento...

Me Consome por dentro...

E vai assinando o quadro xucro,

Fazendo a cerimônia do adeus.

 

Resta guardar a certeza...

De vê-la cortando o céu:

Deitando o toso em tropel;

Ou - garbosa - num trancão todo seu...

A anunciar um Tempo Novo...


A lo largo... de montaria pra Deus!