SAUDADES DA VIDA

Loresoni Barbosa

 

 


No final de um corredor,

o derradeiro cerro vigia,

sombreia as tardes de inverno,

que além de ocas e frias

fazem da estância melancolia

mais triste, amarga e só.

 

No rancho!...

Ausência, espera e silêncio,

amadrinham os sonhos

de quem viveu tantos anos

fazendo planos, filhos, amigos,

mangueiras fortes de angico

para lidar com a eguada...

Alambrados de seis fios

para abraçar sesmarias

e dividir invernadas.

Um galpão que ainda existe

e apesar dos ventos resiste,

como se ali fora plantado.

 

Agora, são os recuerdos que falam,

contando histórias de outrora,

resumidas em auroras,

que silenciosas lhe dizem tanto.

 

As botas de garrão ressequidas pelos verões,

as nazarenas alí no oitão penduradas,

e, palmeando o porongo à beira do fogo de chão,

o velho taura se para e fica a admirá-las.

 

Quando andavam irmanadas,

esporas e botas de garrão,

parecia que a potrada pressentia judiação,

mas o índio era dos guapos,

não le gustava covardia.

Se houvesse um venta rasgada,

aporreado sem serventia...

Ah!... Este sim lhe servia,

e se não prestasse para suas garras

ficava pra tirar cria.

 

Que lindo era vê-lo ginetear

em puro pelo, na basto,

depois que se enforquilhava

mui tarimbeiro e valente,

de longe se ouvia o estalo

do rebenque do ginete,

esporeava onde alcançasse

e batia firme cruzado,

largava o pobre baio

redemoinhando lá adiante.

 

Entre coxilhas e canhadas cálidas,

ainda existe uma estrada

que se afunila no infinito,

onde o velho moço solito,

fica horas e horas a contemplar visões,

de um lado o horizonte,

que ele chamava de promissor,

do outro... o sonho... nascido, criado

e realizado por um lavrador.

 

Anseios e saudades, se entreveram

com a decoração simples daquele rancho pobre,

crivado de solidão e picumã,

mas que se mantém

firme como um forte

e com as portas escancaradas para o nascente,

à espera do último combate.

 

O velho tirador empastado de sangue, suor e sebo,

por certo guarda um segredo,

do xirú que alí está,

remoendo recuerdos como querendo voltar

às lides de antigamente,

que o minuano... levou prá longe...

bem longe dos olhos da gente.

 

Já faz tempo enxerga pouco,

mal  ve os ponteiros do relógio de bolso

que mais lhe mostram lembranças,

do que horas e dias.

O taura já não precisa mais de olhos,

nem horários, nem datas, nada,

prá ver uma tropa na estrada,

prá ouvir o grito dos tropeiros,

o mugido da boiada,

e sentir a brisa do vento brando,

refrescando o calor do sol,

que até parece um castiçal,

nos domingos e natais.

 

Mas a vida...

Ainda lhe quer mais um tempo,

mesmo tendo tão pouco para lhe ofertar,

também, já lhe dera tanto,

tropas para tropear,

arames e palanques para almbrar,

tropilhas para domar e enfrenar,

junta de bois mansos,

um ardao e terras para plantar,

uma china linda que lhe deu filhos

que deram netos e bisnetos.

 

Hoje, pealado pelos anos,

maneado pelos calosde suas màos  trêmulas,

lhe resta ainda coragem, um naco de fumo,

e alguns quilos de erva mate.

... no semblante castigado pela invernia,

a estampa rude... sofrida,

e nos olhos... saudades...

apenas... saudades da vida...