PAYADOR EM PRETO E BRANCO

Loresoni Barbosa




Larguei as loncas pra um lado 
E me amasiei com a gajeta
Pensei, 
Não são cordas cruas que maneiam
E seguram os potros que corcoveiam no campo do pensamento.

Era sexta-feira santa, com procissão,
Cristo morto,
A peonada em comitiva pegara o rumo das vilas
Dar bóia para as almas gavionas

Ficamos eu e o paisano
Comungando uma elegia
Sem acordes de milongas

Com o coração machucado
Cheguei pra perto do amigo
Buscando um consolo antigo
Pra pobre alma sofrida,
Cansada de andar na vida
Costeando meus sonhos tolos.

Masquei sem pressa o palheiro
E num monólogo triste, contei-lhe um pouco de mim
- Sabe Paisano, 
Mirando agora teus olhos
Quase me falta coragem
Para explicar-te a passagem
E a minha demora no povo
Sei que levei bons conselhos,
Um terço pra minhas preces
Tua benção e um até logo
De troco deixei saudade
E a certeza que a cidade não tangeria meus sonhos

Mas logo, fui peão do vento
Fiz das estradas morada
E por posar ao relento
Recurti meus sentimentos
Como courama assolhada

Meu tino moço estradeiro
Me fez campear nas calçadas
O que perdi nas taperas,
Nos bastos, e nos potreiros.
Não me dei conta, que o tempo
Estropeara os sentimentos
Dos nobres homens povoeiros

Pernoitei nas pulperias
Morrendo e matando os dias
Cantando à outras Marias,
Canções que fiz à uma só.

Semeei meus versos crioulos
Nos corações insensatos
Mas o tempo foi escasso
Pros literatos urbanos
Entenderem minhas cantigas

Ah Paisano!
Para agradar lá no povo
Hai que esquecer as raízes
E ser eterno aprendiz,
D’outros modismos atuais

Eu maltratei a guitarra,
Pra insanos fazerem farra,
Embriaguei minha alma
Com versos pobres pra nós.

E nunca entendi porque
Aqueles homens tão frágeis
Desconhecem seus ancestrais.

Noite dessas, lua esguia
Desencilhei melodias 
no ranchito onde morava
Milonguei pras Três Marias
Cantei meu verso verdade
Perdoei-me por ser teatino
E andar tão distante de mim.

Quanta saudade eu senti
Do basto, do pasto, do posto tapera
Dos domingos na capela
Onde encontrava Maria...

... Maria da Graça,
de claros cabelos ao trigo invejar
De lábios carmins, pitangas maduras
Inocência e ternura
Mas não pra colher.
De olhar esmeralda
Espelhando mistérios
Mistérios que um dia eu quis entender.

Era sexta-feira santa
E a angústia prestimosa
Queria abrigar meu ser

Foi então que gritei como um louco em si mesmado
Pois não conformava minha alma
Aquele modo de andar.

Foi então que voltei, 
Voltei para me encontrar

Quem tem em si telurismo
Não distancia a saudade
Quem tem um pago pra ser
Não tem que ser a metade

Quando cheguei no povoado
Não conheci mais ninguém
Naquela hora, paisano, 
Me senti tapera, 
por ver à quanto eu estava ausente

Maria... cansou da espera
E se casou na capela
O posto se fez morada
O pasto lorou do inverno
Diferenciadas paisagens
Que os anos vão transformando

Então afunilei as retinas
No corredor do galpão
Cheguei batendo tramelas
Com ganas de te abraçar

Entrei alongando um Buenas!!!
Mas senti um luto gelado
Emponchar minha alma
Já encarangada de longas

Gajeta, cepo e cambona
Na ausência de um fogo bueno
E o teu retrato paisano
Aparando uma guitarra
Eternizado em milongas!!!