Estação 93

Loresoni Barbosa

 


Uma legião de centauros

mete a cara na fronteira

zombando a sorte dos ventos,

pelo perfil da coluna

paleteando negros ponchos

varando a pampa gelada,

parecia que a mão de Deus

confortava a alma dos seus

velando Pátria na geada.

 

Vinham da banda oriental,

onde por tempo estiveram,

curando rombos de ferros,

cuidando as almas feridas,

golpeadas pelas mentiras

de heróis que faziam guerra,

sem nunca sentir na carne

o frio da lança que arde

quando uma carga atropela.

 

As paisagens destorcidas

pelo luar quase um dia

ludibriavam os olhos

dos que traziam na mente

a ilusão de uma sonho antigo,

poder rever uma parceiro

usando um distinto lenço,

sem ter que pagar o preço

de só poder abraçá-lo

quando já morto estivesse.

 

Quando os lançaços do sol

sangram a paz das sangas

e reluziram clarins,

os rios de águas tão claras

pratearam lágrimas rubras,

tingidas por outros párias

que tombaram nas batalhas

pra honrar eternas medalhas

na goma dos coronéis.

- A quietude espanta as preces

quando o ar mórbido cresce

de um campo-santo ao relento,

dói a alma do mais taura!

ver homens e animais

sobrepostos pelo chão,

insepultos, indigentes

uns pra dar bóia às tropas,

outros pros ideais…

 

Desconcertando o silêncio

um quero-quero sentido

se alçava rumo as taperas,

talvez pra avisar fantasmas,

pois era fúnebre o canto

que o sentinela do campo

entoava pelas canhadas…

depois tornava o mutismo

charlando mais que as palavras.

 

- Pro coração do Rio Grande

marcha a coluna enlutada

levando um clamor nos olhos,

brado das almas cansadas,

dos espíritos que rondam

um povo já sem razão

que mais parecem hebreus

oferecendo a seu Deus

o holocausto do irmão.

 

Do que era feito o brio

desses centauros pampeanos

que refugavam bocal?…

Que tinham sonhos e anseios

aprisionados no olhos

como um amor resguardado

no fundo do coração,

como o cruzeiro teimoso

que mesmo longe do pago

insiste em apontar pro sul.

 

- O tempo lento passou,

pros que fizeram morada

entre lombilho e o sombreiro,

pros que se armaram de ódio

para o furor do entreveiro,

da fome, das noites frias,

pras viúvas que ampararam

a dor dos filhos bastardos

do estupro e da covardia.

 

- Quando os clarins repousaram,

guris, mulheres e arados

juntaram-se aos mutilados

para uma nova batalha,

peleando, não com adagas,

mas ideais libertários

pra um dia termos motivos

para cantar novos hinos

e honrar eternas medalhas.

 

- Não mais o negror dos ponchos

enlutando a paisanada,

não mais centauros com lanças

cruzando a pampa gelada…

 

Mas, por certo ainda vigiam

n'outras formas nosso sul,

pois quando a pampa adormece

pra insônia de mil fantasmas,

uma legião de centauros

mete a cara nas estrelas

e ignorando fronteiras

fazem a ronda do céu.