O TROPEIRO E A TAPERA

Lauro A. Corrêa Simões


Quando o andante parou
- na volta do corredor -
pra apertar os arreios,
sentiu que o vento trazia,
Apresilhado na cincha
o cheiro forte da chuva
que a trote se avizinhava...
Quando o tropeiro estendeu
seu olhar prescrutador,
observando à distância,
percebeu que dessas bandas
as armações nunca falham
pois a vida lhe ensinara
com rara sabedoria.
Quando o gaúcho montou,
já desatando dos tentos
o velho poncho surrado,
olhou que a água a galope
vinha embaciando a paisagem
em tropéis de ventania...

Mas, a trote prosseguiu
como se pouco lhe dava
enfrentar uma tormenta
no ermo do corredor.
De muitas sentira o gosto,
até sem poncho de abrigo
nas gauderiadas da vida.
Ereto sobre os arreios,
somente abaixou a aba
do Cury já desbotado
e seguiu calmo e confiante,
envolvido em pensamentos
talvez limpos, como a chuva
ou negros, como seu poncho.
Assim, avistou o rancho
entre as brumas do aguaceiro,
qual uma mancha perdida
na imensidão do relento.

Sou tropeiro de uma tropa
de desafio e esperança
porque mágoa nas andanças
a gente sente algum dia.
Quem anda nessas jornadas
sempre encontra algum maleva
prontito pra bater cascos
na cancha da sesmaria.


Tropa e eu somos um só
entre a poeira e poente.
tormenta ou mormaço forte.
Pois é a tropa que levo
mais adiante que o cavalo:
- por dentro do coração!
Quem a leva não é mula.
Talvez seja outro tropeiro
também querendo ser gente.

No entanto, até o xiru
que ficou junto ao fogão,
carrega a intuição
que a tropa não deita nunca.
Não tem ronda e nem mangueira
que lhe sujeite a vontade
de percorrer o rincão.
O que sujeita essa sina
é a alma e o desejo
que tropeiro, velho andejo
abriga para levá-la.
Não tem charqueada lá adiante.
Não tem curral, nem martelo.
Nem picana e nem cutelo,
nem bondade, nem maldade
mas, sim tem, para verdade
o sentimento do andante.

Estampada no seu rosto
uma ponta de tristeza,
ao endereçar o pingo
que guapeava indiferente
a chuva forte, bravia.
O rancho era tapera,
sem se notar a presença
de qualquer coisa vivente
que recebesse o andejo.
Apeiou-se, lentamente,
Sem importar-se que a chuva
Fosse molhando os pelegos.
Assim, ficou um instante,
perdido numa lembrança
que chegara sem aviso.
Porém, na face do índio
correu rebelde uma lágrima
se misturando com a chuva
no negro poncho do andante.

Tão quieto como chegara,
Virou o seu pelegão
e montou num derepente.
Sem jamais olhar pra trás,
seguiu o rumo da estrada
no trotezito que vinha.
No céu, travou-se uma rinha
entre os clarões da bonança
e uma garoa insistente.
Mas, por fim, raios de sol
clarearam todo o horizonte,
iluminando o cenário
dessa muda despedida.
Assim, se perdeu de vista
a tropa e o rancho tôsco,
abandonado e sem vida.
Somente algum quero-quero
ficou pra contar a história
da tapera e do tropeiro,
qual dos dois mais solitário.