Aos Olhos de um Índio Xucro
Lauro A. Corrêa Simões

 

Três anos! Três longos anos

E ele voltava com seu jeitão de sempre,

Bem de-a-cavalo e chapéu negro requintado.

Decerto, envergando o mesmo tirador quase sem flecos;

O par de esporas de “quebrar tiranos”,

O pala-a-avestruzeiro sem bordados

E, a mala-de-garupa boca larga

Repleta de histórias e tarecos.

 

Agora, ele voltava, isto que importa

Porque São Pedro não quis abrir-lhe a porta

Na rodada mais feia que tivera.

Quem sabe o motivo do regalo? ...

Talvez, porque naquela primavera,

Numa rodada braba d´algum potro,

O mesmo acontecera para outro e deus só queria

 um de-a-cavalo.

 

Três anos! Três longos anos! ...

Voltava em trote chasqueiro como pingo de monta

Soubesse da imensidade daquela alma sedenta

Para rever-se, afinal, no cristal do espelho d´água

Da cacimbinha em pedrada dos tempos do faz-de-conta.

 

O tirrim da espora grande

Porfiando de contraponto ao som do coscós do freio,

Anunciava pelo campo, no alce dos quero-queros

O retorno de mais um criado sobre os arreios.

 

Voltava pleno de orgulho saber o valor da vida

Porque é no cimbronaço que se aprende o costeio

E pra “touros” e ventenas o viver usa o “cachorro”

Pois, preso pelo focinho não se nega o cabresteio.

 

Ah! Se não fosse a rodada e que o levassem à força

Pra remendar os estragos e emendar alguns pucheros

Saberia quase nada, além de lidar com potros,

Tosar nalguma comparsa ou consertar uns aperos.

 

Sim! As andanças ensinam por rude que o homem seja!

Dignidade e razão, compreendera a importância

E aos tentos de um laço forte, sem querer as comparara

Porque igualava na essência o rico e o peão de estância.

 

No fim, até que a rodada mais lhe deu do que tirou!

Lhe deu a luz dos caminhos ao ensinar-lhe os desvãos,

Porque as coisas verdadeiras que valem mesmo a pena

Só se as pode avistar com olhos do coração.

Foi guardando na memória essas leis tantas da vida.

 

Enfim,

florescendo aos poucos com o nascer de um poema

Que o mundo nem sempre dita mas gosta de nos cobrar

E, quem precisa, obedece! Senão, mango e nazarenas!

 

La maula!

Um homem se doma como se doma um cavalo!

Um buçalzinho de corda, quando o flete ainda potrilho!

Pra o guri uma bombacha o faz sentir-se homenzinho

E, assim, começa a história de quem chamamos de filho!

 

E quanto orgulho sentido dos pais na amadrinhada

Porque o viver não dá tréguas ao homem e ao animal

E quem voltava sabia que o respeito e amizade

São bens para a vida inteira. Com ele foi tudo igual!

 

Repisando o próprio rastro pra rever coisas queridas

E escorraçar as tristezas, num gesto de rebeldia.

Este gaúcho que volta a matutar em silêncio

Do que seria da vida sem sonhos e fantasias?

 

Nos mates da madrugada recolheu os seus fantasmas

E a alma encilhou o pingo para, enfim, voltar à cena.

A fé revigora o homem porque hà poesia na luta

E quando foge a esperança é quando morre o poema.

 

Aos olhos de um índio xucro também se acendem visões

E o coração fogoneiro de pronto abre a sua mala.

Por isto a estrada, em verdade, ainda é a melhor escola

Que a peiteira não sufoca quem sabe desabotoá-la.

Das tantas coisas da vida, talvez a maior valia

Se dava dar ao amor, áquilo que mais se quer.

À terra que nos acolhe no labor do dia a dia

E o sincero bem-querer entre o homem e a mulher.

 

Três anos! Três longos anos! ...

Voltava revigorado e isto se lia em seus olhos.

O mesmo jeitão de sempre, porém, trazendo outra luz..

Talvez o clarão da vida a iluminar-lhe a essência

Ou, quem sabe, algum candieiro que lhe emprestara Jesus!.