REMINISCÊNCIAS


Jurema Chaves

Batendo estribo comigo,
Pela estrada poeirenta.
Vai uma tropa saudosa de recuerdos
Que a noite emponcha com manto negro
Vai enrodilhando os meus anseios,
Abrindo as cancelas do meu ser,
Onde armazenei tanto querer...
Páginas escritas no caderno da memória,
Marcando dia a dia o meu viver.

Mas, como é bom lembrar de tanta coisa
Que dentro de nós ainda repousa
O sabor doce de um viver outrora,
Onde o cantar da cachoeira ainda mora
Numa paisagem que meus olhos guardam
A aquerela mais bonita que já vi
Um velho umbú vencendo os anos,
Plantado ali, como uma cruz de ferro,
Resistindo às tempestades e desenganos
Aos pranchados frios do minuano
Deixando em seu tronco tantas cicatrizes
És o guardião de uma tapera onde,
Em outras eras, fomos tão felizes
Ofertando a sombra a quem precisasse
Do aconchego, do teu abraço amigo
E no portal dos meus olhos, tudo existe ainda
Várzeas perfumadas e coxilhas lindas
Que serviram de berço, para o meu sonhar.

E o trem que passava nos trilhos distantes
Como um vulto negro a cada fim de dia
Soltando um apito - pedaços e gritos
Que o vento engolia
Deixando a fumaça como um lenço turvo
Acenando pra mim
E lá na estação, entre tantas chegadas
E tantas partidas, abraços, adeus
As rodas nos trilhos
Chorando, gemendo, partindo de novo
Mas sempre a esperança voltava... Amanhã!

Quando o sol no horizonte
Insistia em ficar mais um pouco
Espiando a estação
Até ele gostava de ouvir o apito
Do trem que partia
Então se escondia por detrás do vagão
Jogando nos rostos andantes
Seus beijos de luz em forma de adeus
A lua chegava... o pampa dormia
Nos pelegos prateados que ela estendia
No dorso verde do pago
Numa cantiga de afagos
Na sinfonia da brisa.

O tempo deixou de herança
Léguas sem fim de lembranças
Povoadas por fantasmas tão amados,
Um rancho de santa fé
Onde as corruíras faziam ninho,
Na sombra do oitão, um cusquito amigo
E as pescarias, na calmaria do açude
Pés descalços, braços nus... a liberdade
Beijando a vida nos lábios rosados da manhã
Onde a primavera era mais florida,
O anil do céu cada vez mais lindo,
As pitangueiras vestidas de noivas
Recebendo beijos do azul beija flor,
Essência pura do amor,
Que o sol sorrindo trazia...

Razões tantas para sentir saudades
E guardar estas lembranças com ternura
Que a natureza majestosa e pura
Presenteou-nos com tantas maravilhas
E o vento embriagado de perfume
De alecrim, de maçanilha
Gotas de sereno como pérolas
Nas hastes das flexilhas,
O apito do trem assutando o quero-quero,
O berro do boi, o murmurar da sanga...
Ainda sinto o gosto da cereja, de pitanga
Na memória da boca, no páramo da saudade
Onde revejo ainda, o lenço verde da campina
Molhado com lágrimas que a noite chorou silenciosa
Esperando o sol para secar-lhe o pranto.

Agora, a estação virou tapera
Com trens paralisados em algum canto.
Neste descanso, há um cantar tristonho...
Esquecidos, já não carregam sonhos
E aquele apito já não nos acordam mais
Já não vou ao teu encontro, no meu flete de taquaras
Querendo um dia montar em pêlo no tempo,
Buscar o rumo dos ventos
Domando o próprio destino!
Eu deixei de ser menino
Para galopar a saudade.

O sorriso morre nos lábios
Vendo o palco da estação abandonado
Em meu olhar o pranto cristalizado
Ao disfarçar-se magoado
Reflete a dor do abandono.
De um pedaço de nós mesmos, nossa história,
Que no arquivo da memória
Vai ficando assim, amarelado pelo tempo
Mas, tão vivo em nossos sentimentos,
Que resgatá-los é nosso dever
E manter viva a cultura de um povo.
Eu, se pudesse, te faria andar de novo
Te arrancando detsa letargia,
Velho passageiro da alegria
Hoje, apenas um trem paralítico
Que até o apito emudeceu.
Janelas quebradas, bancadas vazias,
A força do progresso te venceu!
És apenas um quadro pintado de reminiscências
Emoldurando a parece do passado,
Tudo acabou... virou museu.