A VOLTA DO ANJO GUERREIRO

Jurema Chaves

 

Eu renasci dos escombros
Das lutas tribais, em guerra,
Para semear na terra
Essências embalsamadas
E procurar uns olhos meigos
No lume das madrugadas
Rasgando ausências no peito
No frio punhal das estradas

Voltei nas asas do vento
Fui poeira e solidão
Busquei nas rimas do verso
Alento pra o coração
Nasci das brumas da noite
Cavalguei raios da lua
E para de novo ser sua
Voltei, e me fiz canção

Vim resgatar a ternura
De um guerreiro coração
Que lá no longe dos tempos
Numa história secular
Partiu levando a bravura
A altivez de um gigante
Num sonho de liberdade
De irmanar na igualdade
Guerreiros, índios e brancos

Fiquei num rancho pequeno
Na pura crença do amor
Busquei razão pra viver
Juntando cacos da vida
Despedaçada, partida
Num infinito querer
Teci um manto bordado
Com restos de primavera
E fiz de buscas e esperas
A minha razão de ser

Motivos tantos de afetos
Renascendo a cada dia
Tirando força e alento
Do mais puro sentimento
Que ao próprio ser transcendia
Sublimação... harmonia
Espargindo-se com calma
Fez-se fragrâncias na alma
No coração por inteiro
Guardei com fibra e coragem
Esse amor como homenagem
Para o meu anjo guerreiro

 

Recompus toda a paisagem
Nessa busca ensandecida
De tantas e tantas vidas
Sangrei minha dor, calada
E minha fé fortalecia
Em cada dobra do dia
Em cada gota de pranto
Que disfarçava e sumia
Junto à canção das aguadas
Onde nossa despedida
Fez calar a natureza
Num repente, enternecida
Por nossas almas partidas
No seio da madrugada

Meu olhar ficou perdido
No largo dos horizontes
No claro espelho das fontes
Buscava o rosto querido
Que há muito havia partido
Prometendo regressar
E a indiazita pequena
Misto mulher-criança
Viu fenecer esperanças
Mas não cansou de lutar
E uma cálida tristeza
Banhava o rosto moreno
Como gotas de sereno
Que a noite deixa rolar

Mas com a volta do guerreiro
A dor se redimiria
Lindos sonhos voltariam
Como dádivas do céu
Meu olhar nos olhos seus
No aconchego do ninho
Com inocência e carinho
Para ofertar-lhe guardei
Das flores roubei perfumes
E implorei aos vaga-lumes
Acenderem seus luzeiros
Para meu anjo guerreiro
Encontrar logo o caminho

A trilha alva de flores
Que cultivei nessa espera
Pra não tornar-se tapera
Nosso cantinho de amor
Ao chegar ele de mansinho
Terá consolo e carinho
Nesse amor multiplicado
Como presente de Deus
E meu ser apaixonado
Será por fim embalado
Na paz dos abraços seus.