Romance para Dom Jayme

Julio César Paim

 

E Jayme Caetano Braun

- gaúcho dos mais gaúchos – quem diria, em pleno inverno,

fechou de vez os cadernos, e se bandeou a la cria!...

Na mala, a xucra poesia... Na alma, a clarividência!...

... de quem amou a Querência, e peleou sem esquecer:

ter é nada sem o Ser. A vida é peleia bruta,

que consagra ao fim da luta os que não temem morrer...

 

Não digam que ele morreu, quem morrem são os covardes,

que tombam fazendo alarde por ter medo de partir...

Os bons, na hora de ir, partem feito uma miragem,

conquistaram a passagem!... E há muito já sabiam,

tudo o que aqui viveriam, é apenas parte da viagem!...

 

A bota garrão do potro!... Velha, a bombacha da lida!...

Que mais se leva da vida? A Santa Cruz de Lorena1

Avios de mate... Chilenas!... Erva buena. Charque, sim!...

Um poncho! Um lenço, enfim... cavalo bem encilhado!

Pôs na garupa o passado, e se foi para o sem fim!...

 

Teria que ser no inverno, o adeus do pajador!...

...missioneiro, campeador, da rima mais de mais valia!...

...conhecedor da poesia melhor que a palma da mão...

...que de fogão em fogão, em missão iluminada,

fez da fome das estradas versos com cheiro de pão...

 

Dom Jayme Caetano Braun, o Confúcio dos Galpões,

sangue rubro das Missões – patrimônio à humanidade,

que, em nome da liberdade, se fez ave missioneira!...

E cruzou todas as fronteiras que alguém já pode cruzar,

com versos pra enfrentar toda a cobiça estrangeira!...

 

Brasileiro como poucos, gaúcho de procedência!...

Fez-se extensão da querência, muito alem da Pátria Sul

buscando no verde-azul toda a essência desse Chão...

...um alquimista-artesao, garimpando em velhas lavras

a magia das palavras, que tocam o coração...

 

Homem d’alma cor de campo! Menino ao mundo poema!...

...transformando cada tema num brinquedo de montar!...

Cada palavra, um lugar! E só ela há de preencher!...

poesia é luz a ascender... Que do sublime aproxima

quem se enamora das rimas no momento de escrever!...

Hoje, à beira do Uruguai, quando vejo o sol se por,

imagino o pajador, remando rumo ao passado!...

...um barqueiro ensimesmado, na imensidão d’água mansa

a sonhar com negras tranças, na travessia do rio,

e, pra não voltar vazio, contrabandeava a esperança!...

 

No Brasil Grande do Sul, nos lugares onde andou...

E mesmo onde não passou, mas os seus versos chegaram,

muitos índios se calaram, com uma lágrima no olhar...

...emoção de se encontrar com a própria trajetória...

...com a mais barbaresca história que alguém já nos fez lembrar!...

 

Relembro Tio Anastácio, tomando um trago de canha!...

Cemitério de Campanha!... Última Rinha!... Oferta!

...Bochincho! Há um índio alerta, contra o poder lá de cima!...

 

Uma nuvem se aproxima! E eu me perco imaginando

que Dom Jayme vem voltando, com uma tropilha de rimas...

 

Rimas de todas as cores... Rimas livres, sem redomas...

Rimas em todos os idiomas! Anunciando um tempo novo...

A maior festa no povo!... Todos iguais. Harmonia!...

Ou quem sabe o grande dia, de amor e humanidade...

... e a paz – flor da liberdade, em plena democracia!...

 

E Dom Jayme – poncho negro – em silencio feito um monge,

acompanhando de longe a grande festa comum...

Comunhão de cada um, com tudo o que pode dar!...

Hay que amar pra se encontrar... Buscar a paixão no eterno!...

Depois do mais longo inverno, há uma estação pra semear!...

 

Onde o pasto nasce azul, há um gaúcho a cavalo!...

Não quero imortalizá-lo, pois já se fez imortal,

pajador universal, na voz do vento pampeano!...

Mas peço a Deus, mi hermano, cuidai dele onde ele ande!...

...ninguém faz outro Rio Grande nem outro Jayme Caetano!...