PARTILHA

 Júlio Cezar Paim

 

Uma guitarra!...

A cuia e a bomba de prata (para o chimarrão)...

Um coração com asas...

A estrada: essa invernada grande,

Sem porteiras nem fronteiras à imaginação,

E nela uma sombra e uma fonte de água pura, e...

... Além dela, o bailado dos lírios brancos do campo!

E, da raiz, a flor vermelha de um cravo do campo;

Pra fazer alguém mais feliz...

Uma tropa de osso... Um rebanho de nuvens...

E mais: Uma tropilha de cavalos de vento,

Com as crinas brancas de geada

E o pêlo de seda ruano de sol!...

 

O que mais poderia entrar numa partilha?

Num testamento que, ao longo da estrada e do tempo,

Se faz herança pra mim

E que eu também quero partilhar

Com os que vêm depois de mim?...

 

UMA GUITARRA:

Sim, uma guitarra!...

...Ou, quem sabe, uma alma de cigarra

Com a forma de uma guitarra!...

Porque mesmo que eu não tenha nascido com o dom musical

Eu consegui encontrar na guitarra uma milonga de amor!...

 

E, só aprendi ler as partituras do silêncio.

E desvendar através dos olhos, mesmo que distantes,

O que há de mais sublime no coração!...

 

A CUIA E A BOMBA DE PRATA:

Porque é através dessa roda de energia, viva, primitiva,

Que o ser humano se torna essencialmente humano, Hermano,

E, sem sentir, se deixa definir em toda sua dimensão

Através da mão, da geografia da mão...

...Nesse ritual chimarrão, que trouxe de mão em mão;

O sangue – essência de Pátria – e o segredo da paixão.

 

UM CORAÇÃO COM ASAS:

Porque só assim se é livre plenamente!

Que a liberdade é uma flor singular,

Invisível aos olhos, e que só se deixa tocar

Por quem tem coragem de transformar

Um sonho em realidade, e buscar a felicidade

Muito além de o próprio olhar!...

 

A ESTRADA:

Que não há nada que nos ensine tanto

Quanto às encruzilhadas e, principalmente;

Porque é na estrada que se percebe

A clarividência da vida,

Quando um copo d’água nos é servido

Por uma mão amiga!...

 

UM REBANHO DE NUVENS:

Para que seja eterno o ideal do esquilador

-- pastor de ovelhas brancas e paz,

Que cresce, envelhece, mas nunca esquece

de como se tece um poncho pra alma...

...pra alma do campeador!

 

A TROPA DE OSSO E AS FLORES DO CAMPO:

Porque aí esteja a essência de um mundo em paz!

Ah! A tropa de osso na mangueirinha de rachão,

Banhada, assinalada e marcada a carvão!...

E um pouco além, o bailado dos lírios brancos do campo:

Medicinal a raiz e vermelha a flor... Que nasce,

Cresce, floresce e morre. Mas volta a renascer

Pra manter a espécie e fazer mais vivo o meu amor

Por quem eu tanto amo e pela minha terra!

 

E o que mais?

O que mais poderia entrar nessa partilha?

Nesse testamento, que deixo aos que vem depois de mim,

Ao longo da estrada e do tempo?...

 

Ah! Eu ia me esquecendo da tropilha!...

Sim, a tropilha de cavalos de vento,

Com as crinas brancas de geada

E o pêlo de seda ruano de sol!...

 

 ...Para que possamos tropear rumo ao sem fim

Por essa estrada imensa que é a vida,

Onde há milhares de encruzilhadas

Mas só há um caminho de volta a nós mesmos...

 

...Por onde devemos passar para contemplar,

Plenamente, o anseio dos lírios brancos do campo,

Quando estivermos voltando, num baio ruano de sol,

E ouvirmos ao longe, além da estrada,

Muito além de o próprio olhar, um quero-quero azul,

Em sentinela, anunciando pra ela...

 

...Para aquela pessoa que tanto amamos

Que, finalmente, estamos de volta,

Para o mais longo chimarrão que se possa imaginar.

Que nesse momento, sim, nos encontraremos

Na plenitude do ser humano!...

...E nunca mais haveremos de nos separar!