ALVORECER COEMITÃ

Julio César Paim

 

Quando o dia amanheceu havia um mistério no ar...

Era primavera...Primeira vez que as rosas brancas em botão

Dançariam o baile do amor, no jardim da inspiração.

 

Mas, naquele dia, o sol não amanheceu dourado.

Amanheceu encarnado, porque não havia mais ouro

Nos cachos louros dos trigais,

Nem esperança na dança dos milharais...

Nem o alento das canções matinais ao vento...

Naquela manhã não havia a fantasia

De um branco botão de paz!...

 

Aquele dia não parecia

Mas era o primeiro de primavera...

E amanheceu encarnado, rubro, ensangüentado,

Porque na noite anterior

Eles passaram levando tudo, não deixando quase nada...

Nem mesmo a certeza de outra alvorada...

 

Passaram feito um furacão

Sobre negros fletes- fantasma,

Trazendo, nas mão, espadas

Manchadas de sangue...

 

Passaram quase voando...

Matando os pássaros, arrancando as flores.

E, incendiando a santa- fé das casas de barro:

Amassado com pés de Anãs, Marias, Joanas,

De Pedros...Josés... de Joãos- de- Barro

Escultores, senhores da arte da fé...

 

Mas eles esqueceram,

À beira do caminho, um ovinho no ninho!

E eles esqueceram, também, em meio às cinzas do arrebol

Da tarde de inverno anterior, um pedacinho de sol

-Calor matinal, chama de esperança...

 

...Que na manhã seguinte aqueceu uma sementinha,

Perfume que se mantinha no ventre da Terra-Mãe.

E aqueceu também o ovinho...

...que naquela manhã, a manhã seguinte

se desfez do pavor da guerra,

Com a semente que a terra guardou,

Em canto...em flor...

A flor que apesar de pisoteada...

...violentada, soterrada. Se manteve perfumada,

para tormento daqueles que preferem o cheiro da guerra...

 

A flor, que teve forças para renascer quase do nada...

dos gritos livres das bocas exangues,

que eles tentaram afogar em rios de sangue.

 

Aquele dia, o dia seguinte,

Amanheceu assim: o horizonte encarnado

E um anseio de paz em botão,

Num mistério a desvendar- o mistério da Poesia,

Que não tem com matar... e nele, um desejo incontido

De perfumar...de voar...de recriar,

Recomeçar, reinventar tudo de novo!

 

E o pedacinho de sol, que restara do arrebol,

Se fez chama latente

Aquecendo o ovinho que restou no ninho...

E o ovinho descascou...

E um pássaro voou...e encantou...

E outro pássaro voou... e cantou...

E outro... e outro...Milhões de pássaros

Voaram e cantaram em refrão pela paz...

 

E um botão de rosa se abriu...

E outro botão se abriu...

E outro...e outro...e outro floriu...

Rosas e rosas brancas dançando o baile das flores

Agitando o porvir.

 

E o vento minuano, o coreógrafo pampeano

Fez-se invento, ventania

Criando a coreografia, encanto tupi-guarani...

Que ao som de flautas andinas e canções ameríndias

Elevou as pétalas brancas dançarinas

E o encanto dos pássaros em refrão, para a dimensão do sem-fim.

 

Como se o jardim da inspiração fizesse dos pássaros em canto

E das pétalas brancas- acalanto Coreografias

Em forma de coração...

...Coreografias pela Paz,

Especialmente criadas para aquela manhã

Que amanheceu encarnada, avermelhada...

...Rubro cenário para o vôo libertário

dos pássaros em canto e das pétalas brancas,

Que não tem como conter no ALVORECER COEMITÃ.