ESTRELAS D’ÁGUA

Juarez Machado de Farias

 

O Seu nome era Fraterno:

irmão das águas do arroio

que davam no Camaqüã.

 

Querido na redondeza,

tirava marcas bonitas

da cordeona de botão.

 

Os dedos eram ligeiros

garimpando melodias

no braço em flor do violão.

 

O seu nome era Fraterno:

irmão das flautas do vento,

das ressolanas de inverno.

O coração

que trazia ancorado

sobre o peito

tinha as porteiras abertas,

querência dos horizontes,

infinito azul de um tempo...

 

E sendo irmão das estrelas,

passou a ter duas d’Dalvas

nas pupilas de campeiro.

 

E foi na primeira olhada

que encontrou paixão acesa

nos olhos da prenda moça,

ansiosa de primavera.

 

O seu nome era Fraterno:

irmão das águas do arroio

que davam no Camaqüã.

 

A vida de prenda moça

descobriu encantamentos

em coisas desencantadas:

 

Teceu soneto na brisa

que precede a noite quente,

colheu rumos de alegria

na estrada mais solita,

 

floriu a flor no cabelo,

e se enxergou mais bonita!

 

E tudo porque seus olhos

beberam sonhos de um rio,

irmão das luas cadentes

fremindo em horas de cio.

 

O sonho da prenda moça

era os olhos de um poeta,

irmão das águas do arroio

que davam no Camaqüã.

 

E seu nome era Fraterno,

violão de cordas tesas,

cordeona de voz trocada,

garganta cheia de versos...

 

(Não sei porque o desengano,

carrancho de asa sombria,

ronda os sonhos, voejando

em seu mister de rapina...)

 

O arroio estava cheio.

Mas o braço de Fraterno

é braço nadador:

irmão das águas que é,

atravessa um rio a nado,

roçando a barranca em flor.

Irmão das águas da vida

que brincam sobre esse leito...

 

- Ou serão águas da morte,

afogando quem rasgava

o arroio embaixo do peito?

 

Só sei contar deste modo:

 

Fraterno nadou, nadou...

inaugurando a manhã

dalgum verão preguiçoso,

costeiro do Camaqüã.

 

E seu corpo de menino

descobridor de caminhos

encontrou estranho rumo

na flor de um redemoinho.

 

Talvez nem tenha enxergado

o tamanho desse enlace:

Fraterno sumiu nas águas

melodiosas do silêncio,

vibrando os dedos de viola

e floreios de cordeona.

 

Se existe outra querência

no fundo azul dos arroios,

Fraterno estará cantando

nalgum baile de ramada

pelo “noturno das águas”.

 

Porém não há de esquecer

os olhos da prenda moça,

que amanheceram vermelhos,

chorando a margem sem vida,

sepultando um sonho em flor

a sorver o desencanto

nos cântaros da partida!

 

O seu nome era Fraterno:

irmão das águas do arroio

que devam no Camaqüã.

 

E hoje aquela mocita

que se enxergava bonita

pros olhos de seu amor,

fechou as portas do peito:

não escuta mais o leito

daquele arroio cantor...

Hoje, mora num convento,

levando “as mãos um rosário

de dores, segundo creio...

 

Irmã de outras estrelas,

que não são as que se afogaram

nestas águas em rodeio.