RECUERDOS


José Luiz Flores Moró

 

Embora apague a chama aventureira

Que sustenta a luz da nossa história

E vá nublando nos fachos da memória

Os brios da epopéia farroupilha,

Encontrarei, por muitas primaveras,

Vestígios de balas nas taperas

E algum sangue farrapo pelas trilhas!

 

Embora o choro triste das carretas

E o cantar dengoso das charretes

Vá murmurando baixinho pelos bretes

Até extingui-se, de vez, no pó dos anos

Ouvirei, por certo, quase vago

Os rangidos das rodas desse pago

Na garganta estridente do minuano!

 

Embora a moda atente nossos moços

Para os costumes e vícios do estrangeiro

E que seja apenas o traje domingueiro

Calças “jeans” e tênis importados,

Enxergarei nos varais de algum gaúcho

Uma bombacha surrada, mas de luxo,

Tremulando qual bandeira do passado!

 

Embora a longa quietude das fazendas

Seja invadida por roncos de motores

E a imponência guapa dos tratores

Desenhe os mapas com marcas de pneus,

Procurarei os arados e arrastões

Entre os cantos escuros dos galpões

E a solidão funesta dos museus!

 

Embora o som acústico da eletrônica

Solte gritos por mil alto-falantes

E os acordes progressista dos mutantes

Automatizem a gaita e o violão,

Cantarei, não importa se sozinho,

Nas cordas tremelentes de algum “pinho”

Ou nas partituras da gaita de botão!

 

Embora o mundo frio do cosumismo

Remodele o pago e seus costumes

E essa mocidade telúrica que assume

Beba o suco artificial da evolução,

Sonharei com os filhos dos meus netos

Medicando o mal dos desafetos

Na medicina vital do chimarrão!

 

Embora caia o último caudilho

Dizimado pelo bélico da guerra

E aparentemente reine nessa terra

As marcas impiedosas do abandono

Buscarei, por entre os homens derrotados,

Um Sepé que grite em altos brados

Que, novamente, este pago vai ter dono!