PROSEADAS SOLITAS

José Luiz Flores Moró

 

Antes...

Bem antes da luz da madrugada,

Nessa hora tranqüila em que a peonada

Busca sonos no campo das lonjuras,

O velho encontra vidas no galpão,

Conversando com o próprio chimarrão

No dialeto gauchesco das procuras!

 

Não!

Não que ele seja assim o tempo inteiro,

Mas nessa hora em que só o mate é companheiro

Ele rebusca os seus fantasmas do passado

E proseia, meu Deus! Como proseia!

Contando causos antigos de peleias

E façanhas de pingos mal domados!

 

Embora os olhos parados no horizonte

É visível, nessa imensa solitude

Um trejeito feliz na face rude

Com a lembrança repentina dos caudilhos.

O chimarrão irmana os peleadores

Fraterno abraço entre Onório e Flores

Em transmissão de paz para seus filhos –

 

No ritual de bater tições,

As faíscas são reses de tropeadas

Que se perderam na poeira das estradas

Num tempo qualquer que já se foi,

Mas que o velho traz para o presente

E assopra para o alto, de repente

Num grito saudoso de “eira-boi!

 

Nos olhos de lágrimas ardidas

A fumaça faz imagens nas retinas

Materializando no ar algumas chinas

Antigos namoro e chamegos –

Fazendo com que, então, fale baixinho,

Palavras de retoco e de carinho

Que antigamente só dizia nos pelegos!

 

No galpão de paredes carcomidas

Reencontra, nas tropeadas obscuras,

As mesmas horrendas criaturas

Que povoaram seus medos de criança

E esconjura esses fantasmas de guri

Como se mulas-sem-cabeça e os sacis

Não fossem, apenas, páginas da infância!

 

Pousa o olhar cansado e absorto

No tremelico das sombras do candeeiro

E recorda vividos entreveros

No comando de cargas e investidas

Gritando, numa síncope caudilha

Brados que a epopéia farroupilha

Fez valerem mais que muitas vidas!

 

E passeia por um mundo que é só seu

Até que a noite, matiz de picumã,

Incendeia-se nas barras da manhã

E o galpão se transcende em realidade.

Então o velho volta a ficar mudo,

Mas mesmo assim consegue dizer tudo

Com os olhos molhados na saudade!

 

E quando o piazito diz: Vovô! Conta uma história?

Dessas que o senhor inventa muitas vezes

De brigas, de tropeadas e de reses...

Dessas que só o senhor sabe inventar!

Então o velho levanta os olhos suavemente

E murmura para o neto, indiferente,

- Deixa pra lá, você não vai acreditar...!