GUERRA E LAVRA

José Luiz Flores Moró


 

 


Nesses tempos

já não havia tempo para a paz...

A boiada foi pastar silêncios no fundo da invernada,

o arado perdeu o jeito de brincar com a terra

as estâncias aquartelaram-se em trincheiras

e o peão campeiro se alistou pra guerra!

 

Os tiros já não partiam de laços enrodilhados

e a campereada louca dos soldados

não procurava reses extraviadas...

 

Foi nesses tempos,

quando o campo se feria em lança e bala

e era roçado por foices de metralhas

que o gaúcho viu,

sob as clareadas nebulosas das batalhas,

alguns homens,

mulheres e crianças

que marchavam incontinentes

com bandeiras e fardas diferentes

em direção contrária à das peleias.

 

Levavam sobre os ombros as enxadas

quais baionetas e lanças perfiladas

seguindo clarins imaginários.

Alheios aos combates e trincheiras

não buscavam as terras da fronteira

e não tinham feições de adversários,

mas carregavam a cor do sol entre as melenas

e se armavam de rezas e novenas

que desfiavam nas contas dos rosários!

 

Foi justamente nesses tempos,

quando todos entretiam-se com a guerra

que eles galgaram o íngreme da serra

dependurando colônias sobre os morros.

Tinham o céu do dia em suas peles claras

e olhos banhados do verde que plantavam

nos horizontes e além que derrubavam

para a esperança e o sonho das coivaras!

 

Sim...

Foi justamente nesses tempos,

quando o centauro guerreiro riograndense

semeava chumbo e corpos nas coxilhas,

que o machado adelgaçou-se em lanhos e trilhas

para fluir lonjuras ao imigrante

que, embora sem ouvir as clarinadas,

engatilhavam trabalhos e alvoradas

na sina aventureira de ir adiante!

 

O alambrado criou folhas e cachos

e a cabriúva dividiu-se em ripas

pra represar os mananciais do vinho...

 

O verdor das espigas fez-se loira

para pousar no bojo do pilão

e o forno de barro engoliu brasas

pra amorenar as dádivas do pão...

 

Enquanto a história fazia heróis e prisioneiros,

multiplicavam-se nos lares e celeiros

o milagre dos filhos e dos grãos!

 

É...

Foi justamente nesses tempos

quando os homens disputavam os horizontes,

que a enxada capinou o véu dos montes

para plantar sementes de cidades

que nasceram com dialetos de além-mares

e exibiram nas vitrines dos pomares

os frutos naturais da liberdade!

 

E quando o último tiro fez-se ouvir

anunciando o final dos entreveros

e o soldado voltou a ser tropeiro

aquartelado sob a quincha dos galpões,

aqueles homens de outro continente

já sorviam o futuro e a água quente

nos rituais dos nossos chimarrões!

 

Agora...

Em outros tempos,

mesclaram-se as raças e as culturas

formando uma outra estampa de gaúcho,

não menos guapa,

porém mais capaz...

Que tem nos olhos o verdor da terra,

na alma bélica o furor da guerra

e nas mãos de covas

o plantio da paz!