AQUELAS LUZES QUE PERDI NO DIA

 José Luiz Flores Moró

I
É uma noite medonha... Muito fria,
A que transponho solito... Cavalgando,
Meio sem rumo, em trevas, procurando
Aquelas luzes que perdi no dia...

Parece, quando em vez, estar sonhando,
Mas sei que não é sonho ou fantasias,
Pois me alerto das pálidas poesias
Que o minuano vive declamando.

Troteio lento aos meus abismos fundos
Como um centauro procurando o mundo
Sem sua parte vital de ser humano!

Na certeza de ter vida além do fim,
Eu continuo a procurar por mim
Entre labirintos do social urbano!

II
Não culpem minha lágrima que desce
Pela epiderme rota do meu rosto
De ser a mensageira do desgosto
E da mágoa, enfim, que me aborrece!

Ela é, somente, um componente oposto
Ao mal que a vida sempre me oferece,
Pois quando o meu espírito adoece
Me umedece o corpo decomposto.

Esse pingo d’água que me molha a face
Só reflete as dimensões do meu impasse
De ter sempre de fugir... E de correr!

Ela é, apenas, essência de minhas penas
Que também correm, porém bem mais serenas,
Pelos rios subterrâneos do meu ser!

lll
Tranqueio atalhos nas encruzilhadas
Que destinam meu trocar de passos,
Porém cada seta que anuncia estradas
Aproxima-me mais dos meus fracassos!

A noite é de caminhos mais escassos
E somente o tino pra ditar jornadas!
O pingo lerdo pra trotear passadas
Não obedece ao leme dos meus braços!

Viajante errôneo em confins de trevas,
Entre lêmures espectrais... Malevas...
Sou outra alma que vagueia a esmo,

Girando em torno do meu próprio eu
Que, ainda não sei por que, não percebeu
Que procura, apenas, por mim mesmo!

IV
Nem culpem meu cavalo, eterno guia
Em todas as fatídicas jornadas
Pelas passadas lerdas e estropiadas
Que nunca alcançam minhas fantasias!

Ele também é um oponente à estrada
A qual insisto, em minhas teimosias,
De percorrê-la ao rumo de utopias
Que, bem sabemos, não nos leva a nada!

Esse pingo de um trotear tristonho
Só transporta cargas dos meus sonhos
Com todos meus pecados... No selim!

E ainda consegue, por buenacho e tauro,
Que eu use a sua metade de centauro
Para que eu tenha patas sob mim!

V
Os demônios são iguais nesses caminhos,
Cada qual com suas sentenças... Seus tridentes...
Em seus tapetes de lanças e de espinhos
E seus sorrisos sarcásticos nos dentes!

Mas eu transponho a tudo... Indiferente...
Pois a vida ensinou-me a andar sozinho
E me mostrou que o carrasco é complacente
Se eu pisar com altivez no pelourinho!
Nem mesmo o zaino dá sinais de medo,
Pois conhece muito bem esse segredo
De cavalgar nas trevas... Absorto!

...Ele um é outro pobre diabo como eu
Que, por capricho do destino, não morreu,
Mas carrega na alma um corpo morto!

VI
Porém... Há esperanças nessa noite escura
Que me excitam as ânsias de buscar
E cada espírito... Cada criatura...
Torna-se um aliado nesse procurar!

Nessa jornada infame de vagar
Eu que pareço plasmas da loucura,
Sou uma alma bruta a lapidar
As carapaças toscas da procura!

Pois espero que nesse andar bisonho
Encontre ainda, por detrás dos sonhos,
Algum fantasma de luz... De profecia

Que ilumine o fado que procuro
Ou que me leve a encontrar... No escuro,
Aquelas luzes que perdi no dia!