ROMANCE DO PEÃO DE ESTÂNCIA

José Machado Leal

 


Fronte altiva, jeito franco

marcas de tempo e sol...

Bota garrão-de-potro,

nazarena sete cravos,

chapéu quebrado dos ventos,

pilchas sovadas da lida,

um figurão de gaúcho!

 

Chamava-se João Mariano.

Profissão: peão de estância.

Peão porque o avô também foi

e o pai lhe ensinou a lida.

Peão por caprichos da vida,

porque nunca soube ler

ou talvez, peão por querer,

nunca para ser escravo

mas para ser um campeiro livre,

dono do próprio nariz.

 

Nessa luta por direitos

João Mariano não se apressa

- Quem tropeou no campo largo,

nos carijos, mate-amargo,

ginete de potro e pampa,

quem refez a própria estampa

no manancial farroupilha

ganhou direitos de encilha

é parte da própria estância,

conhece tempo distância

e o jujo que dá em coxilha.

 

- Quem conhece o “fel-da-terra”

na perda do bem-querer

faz da lida um prazer

pois tudo exige o talento,

que da bravura é sustento.

 

E aquele que anda sozinho,

abre seu próprio caminho

seguindo as trilhas do vento.

 

E mesmo se o “cobre” encurta,

ou se a vida fica osca,

o velho peão se garante.

 

Tem rancho, cavalo e campo,

do patrão um trato franco

quase irmão na igualdade

nào é coisa da cidade

 

peão é produto crioulo,

o mesmo que fumo em rolo,

só se ganha com amizade.

 

Mariano veio de ontem,

cruzando todos os rios.

Abrindo picadas na serra

cravando cercas no pampa

e guardando na memória

aquele gado crioulo

que a vida inteira juntou.

Um dia mudou a prosa

trocou o pelo da barrosa.

Só o peão nunca mudou.

 

Mas a sentença do tempo,

pior que o banco dos réus,

vai esquecer Jão Mariano

dando lugar ao moderno

tal qual neblina d’inverno,

querendo mudar o pago.

 

Da canha nem mais um trago

sumindo inté c’a bombacha

nem guaiaca e nem a faixa

pras pilchas do índio vago.

 

E o moço que tudo sabe

das histórias de outras gentes,

perguntará, bem sem luxo,

como era o tal gaúcho?

Andava a pé ou de moto?

Não deixou nenhuma foto?

Era bárbaro ou cristão?

 

Certamente assim será!

Pois ninguém manda no tempo

se o velho um dia foi novo

e andou cheio de retovo

explorando terra e mar,

o “gênio”não vai parar

e mesmo que finde a trova,

a vida ainda se renova

tal como um tiro de laço!

E o Mariano lá no espaço

namorando a lua nova.