Compositor de Cavalos

 

 José Machado Leal

No bolicho do Barbosa,
a prosa corria frouxa.
Mais lerdo que vaca mocha,
o "carroção" resmungava
e a lo largo relampeava
se preparando pra chuva.
Negro que nem véu de viúva,
o tempo redemunhava.

- Pois que desande o toró,
e do mate, lave a erva,
vou gritando "sem reserva",
não dou luz, jogo de mano,
pego o tordilho-cabano,
contra o tostado-pinhão!
Não importa se é campeão
das canchas do Guaramano!

Desafiado por Donato,
Seu Acácio deu o troco...
- borracho ou louco?
Me desafiando por nada!
Pega toda a tua eguada,
que eu enfreno o "lobisome"
. O que assa o corvo é quem come!
Bota no mais a parada.

Compositor de cavalos,
por herança e profissão,
Seu Acácio era campeão
de gerações de potrada
que troteou na madrugada,
na noite enfurnada em breu,
até que um dia correu
a tal "carreira roubada".

Eu mesmo, quando guri,
lhe ajudava no "floreio",
montando fletes sem freio,
- picaços, mouros, tordilhos,
Pisando geadas nos trilhos,
faço parte dessa história,
num cantinho da memória,
ele, o pai, nós, os filhos.

Lobisome, um parelheiro,
o pelo pinhão-tostado,
largando sempre encepado,
não perdia uma carreira.
Mas um dia fez asneira.
Desafiando só por troça,
pra um matungo de carroça,
se perdeu, ficou na poeira.

Não vê que esse tal cabado
era cavalo "encapado",
parelheiro "no outro lado",
disfarçado de chambão.
Correndo por patacão,
o mestre nem se deu conta,
pois a palavra é que conta,
se o índio é de formação.

Acácio sempre dizia...
- Se eu perder uma carreira
pra matungo de mangueira,
quem ganhar leva o cavalo,
Quem manda cantar de galo!
Não era truco nem flor
e o velho compositor
caiu no seu próprio pealo.

Doutra feita, inda me lembro,
potrada pateando terra,
indiada pronta pra guerra
e Seu Acácio a cavalo
naquele pingo, regalo
dos deuses pra toda lida,
fazendo pouco da vida
que nem esporão de galo.

Por coisas de desafeto,
vi nos dois o mesmo arrogo,
o mesmo olhar de fogo,
dando luz, pedindo cancha.
Só pau-ferro não desmancha,
o "home" é que nem cavalo,
o importante não é o pealo,
é o jeito que ares se prancha.

Pra ele , foi sempre assim...
- Sonho, suor e muita luta,
pois a contenda era bruta,
jamais conviveu com a sorte,
e o vento era sempre norte
e por ter nascido pobre,
correu sempre atrás do "cobre",
até na hora da morte.

Morreu cedo, como um guapo,
sem encontrar o "Jarau".
Mesmo com freio de pau,
sempre coreu n trilho.
É o velho sangue caudilho
obedecendo a cartilha...
- Cavalo de minha encilha,
amanso e boto o lombilho.