A LENDA DA RITA

   José Machado Leal

Parecia um quadro antigo.
Na cabeça, fios de prata,
nos olhos os desenganos
que sem querer foi sofrendo.

Assim era a Rita louca!
Mais de cem anos,
guapeando como um angico,
contando casos de amor,
tecendo rendas de seda
pras noivas da redondeza.

E ninguém sabia o porquê
que nas noites de lua cheia,
toda vestida de noiva,
passeando pelo arvoredo,
falava, cantava, sorria
até que clareasse o dia.

Depois, com os olhos em pranto,
como a dizer adeus,
buscava no longe dos campos
a figura guapa de um valente,
que só porque nasceu macho
foi pelear no pampa imenso.

E ela, a chinoca mais bela
que a querência já criou,
a jovem noiva do tenente,
tecia na hora ausente
um poema branco de amor,
todo enfeitado de rendas,
todo bordado de flor.

Mas a vida não pára no tempo,
mesmo que a gente queira,
quando se vê já não é mais primavera
e o amarelo das folhas
recobre de outono
os caminhos distantes.

 

Os ventos que sopram do sul
repontam chuvas de pedras,
espantando a garça arisca.
Até o gado que se alçou pelos campos
vem se esconder na invernada.
Somente o moço guerreiro
não retornou da guerra.

E a noiva, desventurada,
sentia na alma o frio
da solidão desta espera.
Sua vida uma tapera,
secou o lago do pranto
e os olhos, como desencanto,
se desfizeram em dor.
Calou-se a voz do cantor
num sentimento magoado
e até o jardim, desolado,
de luto não deu mais flor.

E foi numa destas noites
de lua grande no céu
que o pago ficou pasmado
e o tempo voltou pra trás...
A Rita, ainda mais bonita,
viu no horizonte o ginete,
o pingo negro fogoso
e o pala branco estendido.

Houve um silêncio de morte
no rancho e na redondeza
e ninguém mais viu a Rita.
Mas o povo guardou pra sempre
a imagem da noiva eterna
que, embora na demência,
sua bondade e paciência
pareciam rendas brancas
enfeitando com carinho
os noivados da querência!...