MARAGATO LOUCO

José Hilário Ayala Retamozo


Andava de pago em pago
teimando em querer um lenço,
mas diz que mais colorado
do que boca de sangria.
Assim, o pobre do Chico
bebia por seu capricho,
louqueando a falar sozinho.

Aos domingos, no bolicho,
a uma ponta do balcão,
olhava a todos com olhos
de quem vê, não a figura,
porém alma e coração.
Os olhos vendo mais longe,
nas distâncias encardidas
que a vontade por desejo
faz a memória gravar.

Às vezes o pobre Chico
louqueava que era o chefete
de grande revolução.
Uma tala de coqueiro
fazia às vezes de espada
e ele imitava arrancadas
e cargas e rechaçadas
volteando a espada na mão.

Depois, parava bem quieto,
olhar surrado e aflito
a mão nervosa estendida
fazendo gestos no ar.
Rompia então em soluços
e gritos desesperados:
- "E o lenço dos colorados?
E o lenço dos colorados?
Eu quero um lenço pra mim,
que é pra levá-lo ao pescoço
quando chegar o meu fim!"

Mas ninguém ligava ao Chico
nem seus pedidos ouvia.
Assim, o pobre vivia
cercado por todo mundo,
mas dentro dele solito,
pois que seu mundo era o sonho
de ter um lenço encarnado
que nem boca de sangria.

 

 

 

 

 

 


Uma feita... era domingo,
havia grande carreira
- gaúchos de toda parte
e chinas do vizindário.
E no meio dessa gente
veio até um "mala-cabeza"
- castelhano calavera
fugido de comissário.

Parou na ponta da cancha
meio solito o paisano,
pois pra quem anda fugido
até um olhar distraído
parece perseguição.
Estava pronto pra tudo
- o pingo preso das rédeas
e a faca junto da mão.

O pobre do Chico louco
andava de ponta a ponta,
pedindo a todos que via
o sonho de seus desejos,
que era um lenço colorado
que nem boca de sangria.

O pobre do Chico pedia,
mas ninguém sabia dar.
Foi chegando para o lado
donde estava o castelhano.
Chegou, bateu-lhe nas costas
e ao querer pedir o lenço,
a faca do castelhano cortou-lhe
a voz e a garganta
e o Chico rolou no chão.

De costas, olhos vidrados
e a mão direita crispada
sobre o lenço imaginário
que o louco tanto queria.
Até parece mentira
o que nos reserva a sorte:


- O Chico encontrando a morte
teve o lenço que sonhou...
O sangue quando jorrou
do louco assim degolado,
jorrando vermelho e morno,
em seu pescoço o contorno
riscou, de um lenço encarnado.