MEMORIAL DE GALPÃO

José O. Estivalet

 

Quando um cochincho abre o peito

por volta das quatro e pico

e o sono velho se vai...

Não tenho outro remédio

a não ser deixar o catre

e rumar para o galpão,

recostar algum tição

no guarda-fogo de angico.

 

Fogo grande, cara limpa,

passo um pente nas melenas,

enquanto a erva descansa

e aguardo o chio da cambona

para empeçar a mateada;

somente os grilos e os galos

e os bufos de algum cavalo,

sonorizam a madrugada...

 

Sovo a palha, pico um naco,

enrolo um baio a preceito;

porém antes de ficha-lo,

desfiados com carinho

os fios de ouro do fumo,

adiciono a figueirinha

que dá o aroma ao sabor,

quando a tragada enche o peito...

 

O amargo e o crioulo

se encarregam mutuamente,

de temperar o mutismo

da penumbra galponeira,

enquanto a D’alva luzeira

de pupila dilatada,

deixa um clarão de alvorada

na madrugada campeira

 

O valos da brasa viva

e o brilho das labaredas,

formam a chama votiva

que move a ânsia da gente,

com pensamentos alçados

que se perderam no tempo,

mas que ficaram gravados

dentro do subconsciente.

 

no perfil dos cavaletes,

entres as garras de domar,

nazarenas e outros trastes,

se vislumbra alguns aperos

que monarquearam pacholas,

pelas “carpas” dos bolichos

canchas de tava e carreira,

altar terrunho dos tauras.

 

Numa tela enfumaçada

sobre o painel da memória,

ressurgem velhas imagens

que o tempo não destruiu:

O rosto da china linda

que me tirava o sossego,

incendiando poncho e pelego

em tantas noites de frio...

 

Cenas de bailes e catres,

versos, milongas, chamarras,

trucos, tavas e quitarras,

onde a cachaça é o motivo

que inspira esse quadro vivo,

com romances proibidos

que aconteceram escondidos

e a noite guardou no arquivo.

 

A algazarra matinal

do canto da bicharada

e o gosto da erva lavada

me apartam dos devaneios;

largo a cuia, pego um freio,

vou recolher os cavalos,

feliz, pelos dois regalos...

O galpão e a madrugada...

 

A D’alva inspirou o galo,

o menestrel mais antigo...

Eu encontrei meu abrigo

junto do fogo de chão

pitei, tomei chimarrão

no mais terrunho ritual

e deixei o memorial

na picumã do galpão...