NOITE DE GEADA

Jorge Lima

 

A noite ronda a querência

Prenúncio de vento e geada

E a tarde que fez morada

Num pôr de sol colorado

Reponta um lote de gado

Que corta a invernada ao meio

No instinto primitivo

De vir dormir no rodeio.

 

Até os cuscos do rancho

Se misturam com a peonada

Que guapeiam a noite braba

Tentiando o fogo de chão

A cuia de mão em mão

Num gesto rude e fraterno

Aquece o peito gaudério

No tempo brabo de inverno.

 

Um potro junto ao galpão

Relincha como sabendo

Que o dia que está morrendo

No poncho da noite negra

É outra manhã que chega

Com rodeio e campereada

Na lida bruta de campo

E patas quebrando geada.

 

O minuano debochado

Por entre as frestas assobia

E esta xucra melodia

Inspira versos e rimas

Atira cinza pra cima

Neste bailado sem fim

Revirando os picumãs

Agarrados no capim.

 

Num repente uma cordeona

Acorda o galpão inteiro

No improviso do gaiteiro

O verso abre a cancela

E o timbre forte da goela

Quebra o silêncio e a calma

Dizendo coisas bonitas

Que brotam dentro da alma.

 

Mais tarde nas horas mortas

Reina o silêncio nas casas

E o angico vira brasas

No borralho fumacento

A noite num passo lento

Até parece que parou

Pra enxugar o pranto de geada

Que a madrugada chorou.

 

Assim que clareia o dia

Fogo aceso, mate recém cevado

Eu me paro emocionado

Diante de tanta beleza

E vejo a mãe natureza

Nos mostrar o que é capaz

Que a geada é a bandeira branca

Do campo pedindo paz!