SENHOR DAS ÁGUAS

                                                                                    Joel Capelletti

 


Longito...

A tropilha mansa do tempo,

lerda e numerosa,

empurrando a vida aos bretes...

Cá, bem mais perto aos olhos,

o alazão-sonho,

redomão do peito,

remembrando saudades e dores...

Restos de um aparte

nesta recorrida de mirar horizontes,

turvos e alheios,

qual os potros que sempre domou.

 

Bem solito,

melena entordilhada dos anos,

sulcos escavados em rugas,

num desenho que vai bordando

um antigo florão de semblante...

Às vezes,

nesta face judiada,

rola um lágrima,

serpenteando o grosso do carão,

abrigo solitário de sóbria barba moura.

 

Pobre campeiro despionado!...

Depois de brutas lidas,

vai remoendo dias

para entregar-se em consolos e angústias.

 

Em seus restos,

uma quincha de capim,

uma janela para o solar,

uma porta sem trancas,

uma cacimba, uma gamela,

um pátio em singular

e um cusco,

desses tão parceiros,

que cochilam a velar braseiros..

Ah! Sim...

E duas barrancas,

de cheias e enxurradas,

estiagens e secas,

que guardam, qual seu rosto,

marcas da carga dos arados dos caminhos.

 

À beira de seu rio,

“seu mas não seu”,

campeia a ressonância de

berros perdidos

de potros e rezes.

Atrás de si, perde-se na louca miragem

de por seu barco n’água...


Seguindo o leito,

nas correntezas do rio,

relembra-se outrora dono

de campos, tropa, sóis e minuanos...

De já hoje,

repete, todos os dias

qual pá de moinho,

a dura sina, que lhe restou,

de repassar cada curva

com seu barco.

 

E lá se vai o barqueiro...

Lá se vai, mas ele volta...

 

Sim,

patrão de fletes e ventos,

campeiro rastreador, dono de suas rédeas,

fiador de seu destino.

Mal sabe ele,

que, ao empurrar o leito aos estreitos,

deixara para trás,

na reculuta destas andanças,

a uma braça do olhar,

o rancho, com  sol e brisa no para-peito,

o pátio,  portal para os potreiros,

a cacimba, manancial puro,

o cusquito e as brasas,

cendeiro para os despertos.

 

E todos os dias põe o barco n’água.

Como uma estrela perdida

entre dois paredões,

vai sumindo o barqueiro.

Cada vez mais pequeno o barranqueiro...

 

Longe...

Lá se vai o peão,

senhor das águas...

Lá se vai, mas volta.

Sempre vai e volta,

porque plantou seu coração

num pedaço de chão

que fez seu,

numa barranca que reparte com o rio.

 

Esta é a sina

dos que buscam distâncias,

no eterno adejar

seguindo rumos imprecisos,

pois ruim é o esquecimento

e pior a falta de acalanto

e sem nenhum canto, para os olhos,

em derradeira vez, poder cerrar...