MEMÓRIAS

Joel Capeletti

 

 


Tanto tempo depois

de cargas e atropelos,

não perdeu-se

o eco dos ventos seculares,

atravessados das janelas

que espiam das missões...

Também,

ainda vivem o sopro de vozes

que retumbam das datas

sem calendário...

 

Como antes,

tão pouco sucumbiu

a força do músculo do boi,

ponteando, hábil, o arado,

sulcando a terra de sementes

em defesa da vida

e desses homens-índios.

 

Nem o tempo, nem os relógios,

marcados pelos sinos das catedrais,

mutilaram-se para perder

nos rastros da história

a memória de tantos povos,

irmãos de luas, sóis, torres e cruzes,

tão fincadas nos alicerces

de crenças e rituais,

como a empeçar acenos às estrelas.

 

Talvez...

O próprio decorrer dos séculos,

por aladas caravelas

ou por picadas escuras,

ou ainda pelos ancestrais

em enseadas,

desembarcados,

tenha sido feito o coração,

na origem dessas missões.

Quem sabe o primeiro mate,

o esplendor da luz de um foguito,

a fumaça e a cinza dos lenhos...

 

Mansamente solitária

a jornada de labuta

dos lendários guardiões dos sete povos.

Caciques, Tupãs e gerreiros,

rasgados em chagas

no árduo trabalho de defender

a prole, o rebanho e o milharal.

Com chumbos de garruchas,

vindos dos gatilhos além-mar,

foram se abrindo feridas nos peitos

para irrigar a sangue

fazendo barro vermelho sob os pés.

 

Sim, com certeza,

as lanças desses guerreiros

de sóis e luas,

Deuses de campo e de chuvas,

renasçam todos os dias

em nosso alento ou acalanto.

São eles que vem buscar

nossos braços

para arremessá-las

sangrando horizontes

na imensa grandeza do infinito.

 

Nos livros em página,

abertos derremotos das eras,

ficou a esperança

de luz no fim do corredor,

que se alarga a cada passo.

A mesma tangência

dos mesmos sinos das catedrais,

de outros séculos,

passados,

mas tão presentes

como a ressonância

do canto de seus povos.

Já não mais mitos

mas vivas almas,

guardadas e protegidas

no mais rico manuscrito

do pergaminho dos tempos,

que não perdem-se jamais.