MADRUGADA DE NOVEMBRO

João A. Marin Hoffmann – Sebastião Teixeira Corrêa

Retesou-se o nó dos dedos, quando beijou a madeira.

Isaura, sempre a primeira nas lides do amanhecer,

Da porta de duas abas, frinchou o cume da mesma,

Numa cautela arredia, pois estas horas, diacho,

Quem haveria de ser...

 

Entre a soleira e a porta, tombou o corpo qual trapo,

Prá o desespero da negra...

 

Foram dias d’um só zelo varados com madrugadas.

Despertava pela mesmas, com dentes assim trincados,

Suor inundando rugas, num rosto desfigurado

Bradava de todo peito, injúrias aos imperiais,

Para um tal de Canabarro, sem pegar qualquer atalho,

Palavras tão latrinais, desprovidas de respeito...

 

Decerto, já acostumada c’oa guerra e seu padecer,

A negra, toda carinho, afagando seus cabelos,

Cochichava ao pé d’ouvido, que ele estava entre amigos,

Não carecia temer...

 

Numa destas madrugadas em que a cheia, qual cupido,

Vem cumprir o seu papel, falou mais forte um olhar...

Na alcova improvisada, o instinto meteu as patas

Na cancela d’um desejo já nem tão adolescente...

Pernas se tornaram braços, mãos copiando anatomias,

Enquanto bocas cambiavam da saliva doce e quente...

 

A chuva chora a vidraça, feito canção de louvor,

O louro do feno (cama), num aconchego perfeito,

Divide, da negra o corpo, entre os dois braços e o peito,

Do negro, seu protetor...

 

Hoje, as tardes me vem assim: embrulhadas num marasmo,

Pois meu peito lançonado inda padece do estrago,

O sol, vem brindado aos nacos, que coados entre as frinchas

Alumiam m’as certezas, mas banham de inquietação,

O meu pensiero que agora, se divide no dilema

Entre amor e obrigação...

 

As vezes, recordo a tarde daquele 13, novembro.

O cerro vestido em brumas, deitara o dia mais cedo.

A lua, sempre vaidosa, naquela noite, discreta,

Deu ares da sua graça de uma forma, assim, minguante...

Pressenti, a contragosto, que algo assucederia,

Pois a mesma, relutante, parecia, bem me lembro,

Usar as nuvens por leque tentando esconder seu rosto...

 

A ordem de Canabarro, prá desarmar os lanceiros,

Sei que um dia fará éco pela história do Rio Grande...

Até a mãe natureza, que orquestrava aquela hora,

Previu no comando imposto, a ordem sem fundamento,

E num vá, ouvi a flora calada, por que a fauna em retirada

Varou o Arroio Porongo, levando junto instrumentos...

 

Morreu, da cambona a charla, dividida c´o braseiro.

Cambiou do ar o seu cheiro, pois, acre de munição

Parido nos estampidos, no bojo trazem contidos,

Notícias de dor e morte, prá corpos semi dormidos...

 

Rostos inda sonolentos despertam prá realidade,

Quando parceiros sucumbem, varados por chumbo, espada...

Senti a fome do aço, e o dente do aço arde,

Consegui, mas só Deus sabe, escapar desta emboscada.

 

Já reza um velho ditado: que quando é nascido, um homem,

Já vem c´o rumo traçado...

Pr´alguns: mar de rosas sem espinhos, caminho sem ter atalhos...

Pro negro, foi só contenda, edificado aos pedaços,

Feito colcha de retalhos, mas sem ter sedas nem renda...

 

Deixava triste esta negra, seu coração que aludia,

Cochichos, assim, gritados, do seu instinto mulher...

Por que o tropel de recuerdos, que encanzinavam o negro,

Davam vista nos suspiros, que andavam em pontas de pé...

 

Um ramo de maçanilhas, inda frescas do orvalho,

Foi o que a negra encontrou...

 

Da janela da cozinha, já faz dias, tão silente,

Seu olhar cinza-saudades, num turismo de esperança,

Varre o campo amadrinhado, d´um passado tão presente...

 

Se o negro irá retornar? Só o tempo prá responder.

A certeza que ficou, para o alento do peito,

É um ventre que arredondou, moldando a forma do mundo,

D´um jeito, assim, tão perfeito...

 

Se um dia irá retornar? Só o tempo prá responder,

Ah! O tempo, este senhor tão idoso, que tem resposta prá tudo...