DOMANDAS D’UM VELHO RIO

                                                                       MARIN

Via Mar em Canto – Arroio do Sal

1º Lugar Poesia e 1º Lugar Intérprete: Ayrton Machado

                                               

Qual palavra proferida, que não retorna pra fonte,

Feito seta disparada, busquei um novo horizonte...

Não nasci pra ter arreios, muito menos pra ter baia,

Ninguém pra quebrar meu “queixo”, nem sequer moldar meu lombo,

Saltei na arena do mundo, pra geografar minha raia...

 

Despedi-me da m’a fonte. Ensaiei passos errantes

Por cada palmo de vale, potreiro, matas, campinas...

Não sei se sina ou destino, como tantos teatinos,

Serpenteei, fui, voltei, gozando a tal liberdade...

 

Matei a sede de tantos, de miles matei a fome,

Lavei a roupa da prenda, embelezei mil paisagens...

 

Mas deixa estar que um dia, barraram minha passagem,

Dei c’oas fuças pelas taipas d’um açude diferente,

Que o homem onipresente, em nome d’um tal progresso,

Resolveu chamar barragem...

 

Acordei deste meu sonho pra uma nova realidade.

Pesadelo, na verdade, ao perceber que nas m’as margens

Cambiaram de anatomia. . .

E as domandas q’eu fazia, ninguém soube responder:

- Por onde anda família do Pimentel, dos Weber e dos Correa?

A gurizada fagueira destas tardes de domingo?

 

E aquela china trigueira, banhando o corpo moreno,

Do jeito que veio ao mundo. . .

Era o alento do dia, momentos q’eu esquecia certas agruras do peito,

É quando o verbo sonhar, só concebe conjugar

No tempo mais que perfeito...

 

Já não falo d’uma lua, feito mulher, tão dengosa,

Espelhava-se vaidosa, sem ter nada de modesta,

Como pedindo conselho, com que fase iria a festa...

 

Onde anda a saicanga, jundiá, as taraíras,

Que foram do piá alegria na sua primeira pesca.

 

Por onde anda as sariemas, jacutingas, saracuras,

Cadê a garça q’eu via, fingindo meditação, qual uma estátua de pluma

Junto dos meus águas-pés, espreitando pelo pão...

 

Cadê, o quero-quero guardião, e o tal martim pescador?

O João-de-barro arquiteto, buscando o barro concreto

Prá o rancho, se bem discreto, mas sempre um ninho de amor...

 

E a capivara acossada, no cerco da cachorrada,

Se apinchando dentro d’água, seguida do seu capincho. . .

 

Já não ouço mais os gritos, dos bichos voltando as casas,

Quando o sol cumprindo a sina, se pega dobrando a esquina,

Pras bandas do oriente.  . .

Deu-se fim a sinfonia, pois se bandearam à la cria,

C’o zunido das turbinas. . .

 

Por onde anda os ipês, guabijús e guamirins,

Sarandis que adornavam, meu leito d’antes assim...

Enfim, despiram-me dos branquilhos, camoatins e cerejeiras,

Ah! Que falta me faz o som, do cantar dos sabiás,

Pelos pés das pitangueiras...

 

Agora ao olhar pra o ventre, fico incrédulo mirando,

Tanta vida se afogando, no seio das minhas águas. . .

São léguas de natureza, se perdendo na incerteza

D’uma premissa embasada, que o fim justifica os meios...

 

Restou um velho chorão, brindando a vida que nasce,

Conjuminado c’oa fonte, lá no morro onde eu nasci...

Com suas longas ramagens, feito braços num abraço,

Afaga o novo riacho, que parte em busca d’um sonho,

Feito o meu, quando guri...

 

Talvez resguarde no gesto a esperança que este outro,

Não encontre como porto, outra barragem por lar. . .

Ou então, ciente de seu destino, consola o mesmo sabendo,

Que depois d’alguma curva, um homem vai lhe esperar. . .

 

A domanda que me cabe, e que não quer se calar:

Por que em nome da avareza e d’um progresso irrestrito,

O mesmo não ouve os gritos da sua mãe natureza?

 

Mas, inda tenho a esperança, q’em nome deste progresso, 

O homem onipotente, do alto de sua sapiência,

Não se olvide de sua essência, e no mais de todo o resto. . .

 

Pois certas cousas, por certo, só o tempo vai responder,

Tão somente, o tempo pra responder. . .