ANTES TIVESSE MORRIDO

João Benito Soares

 

Não sei porque motivo

Que meu pago abandonei

Pra outras bandas rumei

Mesmo tendo experiência

Eu tive uma decadência

Guardei a pilcha, aguaiaca,

Mas meu amigo eu senti falta

Da minha velha querência.

 

Deixei tudo que eu tinha,

Desde o gado até o cavalo.

Nunca mais eu dei um pealo

Me esqueci da tradição

O velho fogo de chão,

Eu não deixei apagado,

Pois ei tinha arrumado

Tudo que precisava um peão.

 

Parceiro o tempo muda,

Transforma a vida da gente

Eu fu9i eu taura contente,

Hoje sou um homem triste

A dor que um peão resiste

Não devia ser assim,

Veio parecer pra mim

Que tradição não existe.

 

Foram passando os anos

Um dia vai outro vem

Das coisas que a vida tem

Um pouquinho eu aprendi

Me lembrei do que esqueci,

O que se perde se acha

Voltei a usar bombacha

Fui ver o pago onde nasci.

 

Dez anos fiquei ausente,

Daquela terra querida

Pois foi um sonho na vida

Mas tive tempo de acordar.

Sempre eu via falar

Pelos velhos viajantes:
quem bebe água desta fonte

Sei que um dia vai voltar.

 

Foi o que aconteceu comigo

Eu voltei lá pro meu pago

Quando fui tomar um trago

Daquela água tão sadia

Senti uma grande agonia

Quase fiz uma loucura,

Onde era fonte de água pura

Nem mais sinal existia.

 

Olhei de longe a tapera

Onde tempos, eu morei,

Confesso que até chorei,

Claro que tinha razão

Sufocou meu coração

Não ver os trastes do rancho

O cipó cobriu o rancho

Caiu meu velho galpão.

 

Procurei pelo cavalo

Parceiro de mil jornadas,

Nem o latir da cachorrada

Não tive o gosto de escutar

Como é que puderam mudar

Meu grande e belo Dom Marcos

Derrubaram até os matos

Onde cacei quando piá.

 

Fiquei muito preocupado

Na alma me deu um frio,

Pois mudaram até o rio

Pesqueiro que dei valor

O meu touro peleador

Nem sei pra que lado foi

A minha junta de boi

Mandaram pro corredor.

 

Não existe o capão

Onde cacei jacutinga

Pois não restava a restinga

Que tinha naquela banda,

Nem o pesqueiro da sanga

Não tinha mais o lagoão,

Derrubaram até o capão

Onde eu comia pitangas.


 

Reflorestaram a fazenda,

Lhes digo, canto por canto,

Em cada um deixei um pranto

Como sinal de vingança

Só me restou de herança

As guampas dos bois de canga

Então guardei de lembrança.

 

Tudo que eu tinha um dia

Hoje eu não tenho nada

É uma vida preocupada,

Triste o que tenho sofrido

Tudo que tenho perdido

Neste ingrato sonho meu

Mil vezes disse pra Deus

Antes tivesse morrido.