UM VERSO PARA OUTRO VERSO

José Carlo B. de Deus

 

...Vou recorrendo a invernada

Oiga! Verão mormacento!

Desde que não fosse norte

Até me agradava um vento...

A gateada “Marca Touro”

Frente aberta e patas brancas

Vem espumando um suor

No laço que roça as ancas.

 

Pés descalços sem esporas,

Cumpro meu dever campeiro

Revisar os recém nascidos

Neste final de janeiro...

Adiante, uma perdiz corre afoita

(...Se assustou dos ovelheiros)

que fazem a volta na moita

E dali “salta” um terneiro

Que igual criança nova

...Mal acorda, abre um berreiro...

Por perto, a mãe, uma mocha,

Também põe força na goela

Baixa a cabeça e num upa

Sai bufando na cadela!

 

Acho lindo o reboliço,

Não que eu goste de anarquia...

Bochincho não combina com o serviço!

Mas, perdoem a minha ignorância,

E desculpem a comparação...

O campo é uma faculdade,

(...Que ensina cada lição

sem cobrar nada por isso...)

Que exemplo pra humanidade

frente a mesma circunstância.

Só se garante uma infância

Quando alguém defende a cria!

 

Quebrada a calma da tarde

A vacagem se alvorota

Num descampado se enlota

E fica bombeando pra mim...

Já pra trás! Falo com os cuscos,

Que também a hora da trégua,

Voltam pra sombra da égua

O gesto é mesmo que um sim!

Vamos, os quatro num só vulto...

 

São quarenta e poucas vacas

Que por repetir a cria

Vem parindo bem no tarde

..Quando a imundície judia...

O céu me empresta outra cena

Mais uma...Que pago o dia!

Um quero-quero torena

Embora a estampa pequena

Meio aos trompaços e alarde

Vai sobrando em valentia,

Contra um chimando que chia

Sentindo a “boca entaipada”

Tem que bater em retirada

Por respeito ou por covarde...

 

Desato a corda, vou armando disfarçado

Falando baixo, chego bem perto do lote

Que começa andar de volta,

Cabeça erguida, farejando a minha escolta...

Ajeito, não se pode errar o bote

Nesses “louco” azebuado,

Pois por pouco, ficam flor de ressabiado

Aparto a vaca, com a boca faço um bichinho

Ele “se corta” sozinho,

Bem na feição para o meu braço.

 

E já recomeça o berreiro

Na outra ponta do laço...

 

Assobiando, despacito encolho a trança

Oiga! Verão mormacento...

Me alegro, pois é um verso de Aureliano,

Daqueles cento por cento

Que me adoça os “pensamento”

E me traz gosto de minuano!

Apeio, sei que estou de bem comigo...

A égua deixo maneada

Mesmo mansa, é nervosa e desconfiada

E quem conhece o perigo

Não facilita por nada!

Depois que curo o umbigo

O laço volta pra os “tentos”

Volta a calma pra invernada

Convido o casal de amigos

E “rumbiamo” direito a estrada!

Outra vê, lembro do verso

Que á instantes me veio á boca...

E sinto que a alma campeira

Se alegra com coisas pouca...

Abro a porteira

Na minha frente, a estrada...

Tão sem dono e prisioneira!

Pra tas, no verso, a invernada,

Tem dono, mas vive livre

(...Pelos exemplos que tive

nesta simples recorrida...)

Reparo a estrada estendida,

Aramados nos dois lados,

Coma fazendo um fiador...

Mistério, crimes, pecados,

E uma alcunha:” corredor”

(...Lugar onde a dor sem pressa,

é onde uma viagem começa

e as mudanças são infindas...)

Vê as vidas de passagem

Suspira em forma de poeira...

É pra tantas idas e vindas

Jamais teve uma chegada...

 

Talvez só mesmo Aureliano

Poeta maior da querência

Contando da sua vivência

De galpão, campos e mangueira

Mostre que um verso tem verso

Pra quem enxergar...

(Outra vez, peço perdão,

mas vou tentar explicar

ou me fazer entender...)

Não importa qual o tema

O verso é, a sombra do Moema,

Que muitos não sabem ver! 

 

No mundo de uma invernada,

Recorrer, curar bicheira,

Fazer o serviço certo

Mesmo sendo gado alheio

Sentir-se em casa no arreio

Depois, ao troco estradear

Que bom ter olhos abertos

Ao apear na porteira!