ANITA

João Batista de Oliveira Gomes

 

De longos cabelos negros

E os olhos da mesma cor,

Rosto miúdo, encantador

E de uma estatura mediana,

A pele cor de cigana

Era assim, meio morena,

E de andar bem delicado

Uma linda flor de Açucena.

 

Ela era ainda muito jovem

Quando órfã de pai ficou,

E com sua mãe se criou

Com muita dificuldade,

E aos quinze anos de idade

Pela mãe foi contrariada,

Casou-se contra a vontade

Só pra sentir-se amparada.

 

Casou-se só por casar-se

Amor ela não sentia,

Mas na esperança que um dia

Ao despacito ele viesse,

E que para ela trouxesse

Aquele amor sem igual,

Mas o sonho transformou-se

No fracasso conjugal.

 

Três anos de casamento

Foi o tempo que durou,

Quando no Sul estourou

A grande revolução,

Tocada pela emoção

Por ser grande idealista,

Discordava do marido

Pois ele era monarquista.

 

Foi então que resolveu

E um novo rumo tomou,

Que importa se alguém falou

O que havia decidido,

Foi contra o próprio marido

E sem entender de política,

Enfrentou de corpo e alma

Sem dar importância a crítica.

 

Se falaram ou não falaram

Nada disso lhe atingia,

Se nem mesmo ela sabia

Bem certo o que procurava,

Nem sequer imaginava

Que nesse seu caminho incerto,

A tal da felicidade

Lhe rondava ali por perto.

 

E nesse meio de tempo

Pois recém tinha chegado,

Vindo lá de um outro lado

Um moço mui veterano,

Por sinal era italiano

Peleador de outras eras,

Giuseppe Garibaldi

Este era o nome do cuera.

 

De barba e cabelos longos

Tinha estampa de homem sério,

No olhar muito mistério

Pois era o que se notava,

Na expressão que procurava

Algo que tivesse perdido,

Visitando uma família

Dela ficou conhecido.

 

E que tamanha surpresa

Que nem mesmo acreditou,

Pois foi ali que encontrou

Aquela moça bonita,

E olhando, olhos de Anita

Que também correspondeu,

Sem dizer uma palavra

Quanta coisa ela entendeu.

 

Foi assim que tudo entendeu

Só numa troca de olhar,

Que ele vinha lhe buscar

Pra seguirem lado a lado,

Ele, um experiente soldado

Ela, só uma recruta,

Mas tinha coragem e fibra

E estava pronta pra luta.

 

Numa noite de setembro

Voltou ao local da visita,

Pra buscar a bela Anita

Que embarcou em sua escuna,

Despedindo-se de Laguna

Pra seguir sua vocação,

Acompanhou o seu amado

Em plena revolução.

 

Por dois meses e dez dias

Durou a sua lua-de-mel,

E sem dar nem pedir quartel

Fez-se logo guerrilheira,

Peleando lá na trincheira

Já não temia o perigo,

Mostrando suas bravuras

Indo de encontro do inimigo.

 

Valente soldado de saia

Mãe, esposa e amante

Nesta Rio Grande gigante

Sob o céu de puro anil

Lutou de espada e fuzil,

Das derrotas fez vitória

Nas mais sangrentas batalhas

Riscando o lombo da história.

 

E num violento combate

Contra as forças legalistas,

Na luta perdeu a vista

O marido e os companheiros,

Naquele tremendo entrevero

Esgrimando com destreza,

Por estar meio solita

Pelo inimigo foi presa.

 

Ao Coronel Albuquerque

Ela foi apresentada,

Mal vestida, esfarrapada

Com as marcas da peleia,

O sangue fervendo nas veias

Da guerreira feminina,

E o Coronel espantado

Da coragem da heroína.

 

Sofreu pacientemente calada

Nesta maldita prisão,

Muita angústia e aflição

Mas conseguiu suportar,

Sem fraquezas demonstrar

No exemplar comportamento,

À noite vestiu-se de homem

E fugiu do acampamento.

 

No lombo de seu cavalo

Cortou muitas léguas de chão,

Indo ao rumo de Viamão

Ao encontro do marido,

Que pra lá tinham seguido

Quando ela ficou pra trás,

E depois do encontro, sim

Viveram uma certa paz.

 

E logo foram seguindo

Para um canto sossegado,

Acompanhando o seu amado

No caminho ela dizia:

-Preciso mais energia

Garibaldi entendeu,

Acamparam em Mostardas

Onde um piazito nasceu.

 

E outra vez os legalistas

Atacaram o povoado,

Com o filho agasalhado

Que só tinha doze dias,

Novamente ela fugia

Lutando de unhas e dentes,

Co'o piazito nos braços

Pra não morrer o inocente.

 

E com esse último ataque

A revolta terminava,

Mas Anita continuava

Buscando os seus ideais,

Se bandeou pro Uruguai

Numa bem longa viagem,

Por caminhos e veredas

Sua reação era a coragem.

 

Quem nasce para lutar

Só sabe viver lutando,

Se morrer, morre peleando

Defendendo o que é seu,

Foi assim que ela viveu

A heroína corajosa,

Na batalha foi soldado

E no lar, mãe amorosa.

 

Anita, grande Anita

Uma mulher brasileira,

Que foi cruzando fronteiras

Empunhando sua espada,

Em muitas lutas travadas

Heroína sem medalha,

Que lutou em três países:

Brasil, Uruguai e Itália.