PAYADA DAS PRIMAVERAS

Jayme Caetano Braun

 

É um manancial de alegrias,

A inspiração que extravasa,

Quando a gente dá "ô de casa"

Pra escutar um  "buenos dias"

_ cincerros de melodias

Que sobem na atmosfera,

Depois tudo se entrevera,

Num soluço de beleza,

Pra saudar a natureza

Vestida de primavera!

 

É o quadro vivo mais lindo

Que enternecido contemplo:

_ o varzedo é todo um templo,

Cheio de vida _ surgindo,

Flores do campo se abrindo,

Quando tudo se alvoroça;

O bicharedo retoça,

Em barbarescos namoros,

_ o próprio berro dos touros,

Parece até que se adoça!

 

Quadro de todos os anos,

A gente anseia revê-lo,

Até os guachos do sinuelo

Parecem mais araganos,

Há fogo em nossos tutanos,

Na misteriosa mudança,

É o tempo _ em eterna dança

Que nos empurra pra adiante

E a saudade mais distante,

Volta a queimar na lembrança...

 

O lindo capim mimoso,

Prossegue o rodizio eterno,

De se queimar no inverno,

Pra renascer mais viçoso,

No ciclo maravilhoso

Da tábua das estações;

_ peixes pulam nos lagoões

E os pássaros payadores,

Misturam trinos e cores,

Entre as crinas dos capões!

 

Parece que se desata,

O tope dos elementos,

Trazendo na voz dos ventos

Um eco de serenata,

Até achilena de prata

Retine mais patacoeira,

Na melodia campeira

Que se faz cancha no espaço,

Como marcando compasso

Junto ao sabiá laranjeira!

 

 

Há tanta autenticidade

Nas vozes da natureza

Que resumem a beleza

Da própria simplicidade;

A estação não tem idade,

Dela não há quem se esconda,

Tudo se ajeita _ arredonda,

Na clarinada bonita

Da primavera que ronda!

 

As aves cantam mais cedo

E os cochinchos mais à miude,

Nessa sinfonia rude,

Do céu _ vento e arvoredo;

Há um misterioso segredo,

Terneiro berra mais grosso,

Potrilho arqueia o pescoço,

No milenar evangelho;

_ o moço fica mais velho,

_ o velho fica mais moço...

 

O sangue anda mais depressa ,

Nas artérias e nas veias,

Arrebentando maneias

Da vida que recomeça;

Não há barreira que impeça

O tempo que se arremanga;

Floresce o pé de pitanga,

Branqueando _ num desafio

E se acorda, mais macio,

O bordoneio da sanga!

 

Mas não só nos descampados

A primavera incendeia,

Ela se enfeita _ e passeia,

Nas vilas e nos povoados,

Nos ambientes asfaltados,

Cidades e capitais;

Pomba_ bentevis_ pardais,

Em melodiosos arrulhos,

Repetem doces barulhos

De tempos imemoriais...

 

Nas ruas e nas calçadas,

A infância e a juventude

Que não a força que mude,

Desfilam _ entreveradas,

E as paisanas encantadas

Xiruas _ respiram fundo,

Vibrando, cadaa segundo,

Sentindo, cada minuto,

O domínio absoluto

Que têm _ da gente e do mundo!

 

E o homem _ defronte a isso?

_ até parece impossível,

Vai se tornando insensível,

Por força de algum feitiço;

_ é um criminoso _ um omisso,

De forma mais inconsciente,

Gente que já não é gente,

Buscando outra trajetória,

Depois da triste vitória;

De matar o meio ambiente.

 

Será tão empedernido

Que não veja _ quando cruza,

Dois cerros contra um blusa

Dum poema recém-vestido;

Ou _ não lhe adoce o ouvido,

Insensível _ deformado,

O concerto aveludado,

De uma calandria selvagem,

Vestindo novaa roupagem,

De bico recém-pintado?

 

Eu pergunto _ de que adianta,

Plantar um pé de erva mate,

Como sinal de combate,

Em defesa de uma planta,

Se a mesma mão que levanta,

Nessas considerações,

É a que assina concessões,

Num inconsciente floreio,

Aos assassinos do meio

Que fazem devastações?

 

Falta ainda muito pro resto,

Mas _ em tempo _ me concentro,

Entrar primavera a dentro,

Não da força ao meu protesto,

Vale a homenagem que presto

A todos os índios cueras

Que lutam contra as taperas

E contra as destruições,

A eles _ minhas canções,

Vestidas de primavera!!!